Eu não sonho possuir-te. Para quê?
“E já que queremos ser estéreis, sejamos também castos, porque nada pode haver de mais ignóbil e baixo do que, renegando da Natureza o que nela é fecundado, guardar vilãmente dela o que nos praz no que renegámos. Não há nobrezas aos bocados.
Sejamos castos como eremitas, puros como corpos sonhados, resignados a ser tudo isto, como freirinhas doidas…”
Bernardo Soares
Que o nosso amor seja uma prece, genuflectidos diante um do outro por entre gemidos e bocas cheias de fecundo saber. Que todos os nossos momentos sejam rosários cadenciados no estudo da décima, que a Salve-Rainha advenha dos teus lábios, que Avé maria te leve á loucura, que o Pai-nosso venha apenas no fim, antes da nossa glória… sejamos castos um no outro, sejamos estéreis os dois.
Tudo findará, mas nos iremos prevalecer à fé dos homens, homem e mulher, e fecundaremos de novo a terra, inventando novos deuses, novas fés, sendo deuses, de pedra e de pé…
Escrever é lembrar-me das coisas, de ti e de mim, possuo-te aqui na memória em que nos escrevo, creio tantas vezes que caminhamos num abismo vazio de vida, porque tudo apenas parece, chegamos mesmo a dar saltos temporais entre um momento de lucidez e outro, no pleno tempo que, entretanto, passa, somos marionetas programadas por uma vida civil e uma sociedade militarizada pelas regras e leis… esquecemos de orar, de meditarmos um no outro em posições impossíveis de Yoga… sejamos francos, sinceros, às vezes queremo-nos, outras esquecemo-nos…
Sabes já ontem escrevia versos, e achava-os bons de verdade, mas hoje sei que não, são apenas versos como tantos outros versos escritos por outros tantos que escrevem versos bons. Lembrei-me disto como de outra coisa qualquer de um livro qualquer que poderia estar a ler como “Depois do Fim”. Tenho que te pedir perdão, não é fácil, mas há verdades e segredos que devem ser ditos, antes que me consumam por dentro e me corroam as entranhas. – Ontem traí-te…
(silencio)
Sei que não é fácil ler, acredita muito mais custoso é para mim escrever-te, mas é a verdade, ontem sonhei que te fodia, e tu não estavas ali comigo, estavas a trabalhar como de costume, mas cometi em sonho o terrível pecado da fornicação com mulher casada, sem que estivesses comigo… não sei se me poderás perdoar ou até se cresce em ti o desejo de vingança e o cometas também, comigo sem que esteja contigo…
Este tempo intermitente mata-me… e eu adormeço, como um morto-vivo… ando por aí… até que te possua em mim…
António Alberto Teixeira Sousa
In: Sonho perigoso de um futuro que pode acabar…
04/08/2022

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