E tu? Quem dizes que és?

E tu? Quem dizes que és?

De mim nada, nem dia, nem noite
Nem eu sei quem sou, ninguém me conhece
Finjo ser, tudo o que és, e mesmo assim lês-me
Na tua infinita incompreensão encontras-te
Definitivamente no que sinto,
Sendo teu o sentimento que finjo…

Corro sem destino rumo a uma rua vazia
 Ainda assim, pensas…

Nos fantasmas dos dias, as noites parecem sonhos
 Ainda assim, não dormes…

Esmiúças, deslindas, investigas, indagas, perscrutas
 Nas palavras que escrevo quem sou,
Apenas te encontras a ti nos defeitos que te formam…

@Alberto Cuddel
#depressaopoetica
07/04/2017 
09:00

Foram-se as pedras e as ideias

Foram-se as pedras e as ideias

Abandonei voluntariamente o trono
E todas as escadas onde me ergui
Esqueci-me da noite, das palavras e de ti…

Deixei que o pensamento vagueasse na rua,
Que a fome roesse a mente, desilusão
Deixei de pensar um tudo e os sonhos
Correm as águas por valetas porcas e secas

Vi a luz apagar-se nos homens
A morte correr, espreitando janelas
E tubos fumegantes, por entre roupas rasgadas
E moços de calças baixas, rindo e grupo
Sob corpos estendidos no chão…

Não há pedras que se atirem
Ou escritas na areia de cabeça baixa
E as ideias, prendem-se escondidas
Por entre massa cinzenta e paredes de cálcio
Calam-se as vozes, discriminam-se os que pensam
E todos pintam de dourado, os fios que pendem
De uma triste bola cimeira, onde nascem duas bolas
Que esbugalhadas seguem o rebanho…

Fetidamente escorrem os dejectos pelas soleiras,
Esperas timidamente na “fila” papel plástico estendido
Onde hipotecas os dias, e as noites, nos gestos mecânicos
Engordando os já gordos senhores do mundo…

Foram-se as pedras e as ideias…
Condenaram-se os mestres à pobreza
E os doadores de DNA, geram-te
Mas não te educam…
 
Alberto Cuddel
#depressaopoetica

Abraço da noite

Abraço da noite

Quando a noite me abraçou planamente
Deixei que o eco do verso declamado
Na solidão da sala vazia, ecoasse na alma
Mesmo que essa alma estivesse vazia

Vazia de tudo, do ser, da poesia
A noite impõe a nostalgia do nada
Nem luz, nem som, nem palavra
Apenas ecos distantes do dia
Apenas memória de uma mão
Quente que antes me acariciava

Sentado na borda do leito
Em sonhos preenchidos pelo vazio
E pesadelos repletos de pequenos nadas
Sem rimas, sem olhares, sem alguém
Ou ninguém que me abrace
Que me salve da devassidão das horas
Essas que conto para um outro amanhã
 [há sempre um amanhã, o tempo é implacável]
Um outro tempo, o suficiente…

A noite que me abarca, um livro que acaba
Um ponto, um aglomerado de reticências
Ainda que o silêncio se quebre,
Na recolha do lixo ordinário dos dias,
E os pensamentos voem em folhas amarrotadas
Escritas desvairadamente, não me dói mais
Que a mera ausência de sono…
O sono onde profusamente descanso
E sonho dias melhores…

Alberto Cuddel
#depressaopoetica

Nome ou a forma de ser

Nome ou a forma de ser

Jamais te procurarei
Por entre os nomes que te deram
 [nunca te chamam, eu chamo-te]
Seja doença ou cuidar ausente
Criei-te diferente, sonho crente
Sendo, foste, estando, és
 [não pai ou esposo, talvez amante]
No sentir que finges, crio-te novamente
Novo ser, nova mente, um nome diferente
Invento-te, a cada nova conjugação
A cada novo verso, a cada esgano do sentir
Representação perfeita das mascaras
Que de ti represento…

A cada nome, uma nova forma de ser
O que efectivamente em ti não és…
 [mesmo assim sou… ou talvez não]

Alberto Cuddel
#depressaopoetica
22/03/2017
07:04

Luar, ou queda da noite

Luar, ou queda da noite

Lua cruza, como crua cai a noite,
Luar, espelhado como espelhado fora o dia,
Ardem mãos que se queimam no olhar,
Lua que adormece, como dormem as migalhas
Caídas da mesa onde ontem se alimentaram
Pardais e andorinhas, essas asas que migraram
Contra luz, espelhada nos lençóis de água
Correndo lentos rumo ao mar,
Cai a noite, uivam os cães,
Miam os dormentes gatos no cio…

Alberto Cuddel
#depressaopoetica
20/03/2017
23:30

Cobardia

Cobardia

Talvez seja em mim cobardia
Um leve cerrar de olhos ao dia,
O sonho que vislumbro no limbo
Horas e coisas que imagino
 [talvez uma fuga aos dias]
Marés de erva seca, deserto
Crenças pagãs, num luar seco
Céus carregados de trovoada
 [talvez seja cobardia o silêncio]
Qual altar? Adorado poeta
Pedestal pintado em papel crepe
Na tua, (minha), consciência distorcida
Não há noites, dias, morte ou vida
O amor? Mera oposição à imobilidade
A um dor solitária que me consome as noites,
Cobardia? Quanta de mim se assemelha
A uma virtude defeituosa da personalidade!

Alberto Cuddel
#depressaopoetica
20/03/2017
08:10

O Poeta e a Poesia

O Poeta e a Poesia

Nasce da vida a vontade de ser dia
A crença da mudança, o ser poesia!

Mamata com o sentir, usurpação
Representação totalitária do ser
Creias tu assimilar toda devoção
Implícita no acto de te escrever!

Encontrar autenticidade no verso
Rima, êxtase supremo do achado
Ver num espelho sujo o universo
Sentir num sorriso o triste fado!

Poema que o subjuga, ser poeta
Dor inconsolável, estranha gratidão
Ultimo a partir das palavras atleta

Lápis que desdenham os beijos
E tanta outra doce devassidão
E só de pão são todos os desejos!

Alberto Cuddel
16/03/2017
11:00

Nem as horas do dia, nem os tempos da noite

Nem as horas do dia, nem os tempos da noite

Relógio do tempo que escorre
Como na borda do copo alto
Vinhos dos dias, alegria
Esquecimento dos goles da noite…

Deuses caídos no pranto
Verões que desesperam nos trópicos
Ninfas húmidas que se enroscam
Palavras metaforicamente despidas
 – oh prazer em tuas mãos!

No vácuo da multidão,
Mão que se roça nas coxas,
Solidão das horas,
Relógio compassadamente ritmado,
E o sonho de um leito quente…

Não creias que sonhe,
Ou meramente deseje,
Fulmina-me a crença
Mulher que meus ponteiros 
Hirtamente moves…

Os tempos da noite
Arrastam-se pela manhãs em desespero…

Alberto Cuddel
14/03/2017
13:00

Brancos, estupidamente brancos

Brancos, estupidamente brancos

Estupidamente fiz-me acreditar ser poeta
Mesmo assim não disse que te amava.

Os dias erguem-se da aurora
Sem que a noite caia na madrugada
Mesmo assim o fogo não chega para iluminar.

Não creias que as rimas
Sejam prova metafisica da poesia
Tão pouco prova cabal da existência do poeta
São meras coincidências fonéticas nas terminações dos versos
E os versos nada dizem…

Jamais me submeto à vitória
A vitória descansa, imobiliza, não avança
Não me conformo, não festejo, a vitória subjuga
Oh minha amada derrota, quanto avanço nos erros…

O poeta ser alienado que abdica da vida
Da vida normal dos homens normais
Das relações normais, dos gestos normais
Dos amores normais, das paixões ordinárias
Ser que faz sexo com as palavras
Que atinge orgasmos a cada ponto de exclamação…

Depois de uma incursão larga na grande poesia
O poeta é aquele que se suicida a cada final de página
Mergulhando no abismo de um novo poema,
Adentra no mar, mesmo que não saiba nadar
Plaina nas nuvens sem asas, ama o seu irmão que nunca viu…

Brancos, estupidamente brancos
São os largos lagos onde me devoro
Esperando um luar que me consuma
Sono da atenção voluntária,
Que não sei explicar,
E que frequentemente me atacam
Por entre os versos onde me deito…

Alberto Cuddel
14/03/2017

Abstinência

Abstinência

Que me importam as corvinas,
Os lúcios, as carpas, o sável…

Quero é carne, essa do mato
Ou da outra que voa
Quero é cheio, muita
Mesmo que outro sofra de fome
Que se lixem os dias, hoje não é sexta-feira…

Alberto Cuddel
13/03/2017

Serranias da vida

Serranias da vida

Nos altos e baixos que nos atrasam
Pairam nuvens baixas, amedrontam
As estepes daninhas outras arrasam
Fogo queimou as outras que contam

Por entre montes, vales, escarpas caídas
Erguem-se dormentes, almas cansadas
Os dias, as noites e outras assim saídas
Por caminhos, carreiros, vielas estradas

Planalto distante em palavras contidas
Digo e não faço, mas faço e não digo
A morte distante em vitórias sofridas

Águas que escorrem das pedras soltas
Correm ainda livres pela colina contigo
As armas depostas e os beijos que sepultas!

Alberto Cuddel
13/03/2017

O Casario

O Casario

As paredes nuas que vislumbro
Sujas sem portas ou janelas
Casa forte onde habitaram sentimentos
Amor? Alegria? Saúde? Já nem memória existe,
Hoje apenas um corpo decrepito
Arrastado pela depressão dos dias
Que faz desse chão, poesia
Escrita e reescrita nas noites
Enclausurada nas paredes,
Reflectida nos vidros partidos
Suspensos por caixilhos de madeira,
Esperando decepar a cada desilusão
Mais pouco do meu ferido coração,
O carpinteiro dos dias partiu
O que consertava o corpo,
Que me aquecia a alma,
Uma desilusão mais, do tempo em que me iludia…

Nem os braços da árvore genealógica me confortam
Lá já não fazem ninhos os pássaros,
Tao pouco os seus ramos secos
Me aquecem na lareira dos tempos
  Podres, apenas podres…

O triste casarão onde nem as escadas
Que o trepam tem varão, arruína-se
Cai, nada já o sustem, nem a vida, nem o amor,
Ninguém trespassa as portas da alma
Armado de boa vontade,
Ferramentas que o ergam,
Que deixem penetrar o sol,
Pelas janelas dos escuros quartos por onde vagueiam
Ideias e pensares que não o deixam adormecer…

Apenas uma pequena arvore mesmo ali, – a entrada
Verde, viçosa, ainda sem florir, sem ter dado fruto
Nessa pequena árvore, deposita o casarão decrepito
Toda a esperança, toda a fé, toda a crença
Impedindo-mo de ruir…

Alberto Cuddel
11/03/2017

Sem forças…

Sem forças…

Transponho montanhas já derrubadas
E dunas rasas pelos ventos do tempo
Escorridos sentimentos nos cardos
Erva que chora pisada pelos pés descalços
Prantos de mães coragem, filhos do ontem
Revoluções essencialmente inúteis
Pensamentos de hoje que vivem ontem
Sem ensino de vãs ideias torpes
Tudo muda, ficando no mesmo lugar
Os jardins, repletos de velhos cansados
E netos sentados no chão do tempo
Cartas que voam das mesas e pétalas
Remos sem barcos esquecidos no lago
Onde nadam patos contra a corrente!

Cansado vejo o por do sol matutino
E outros trovões em céu limpo…

E o amor? O amor esses foi esquecido
No bolso de trás das calças que jazem
Sujas no chão do quarto…

Alberto Cuddel

Despedida,

Despedida,
 
Corro a passo pesados,
Largos, espaçados,
Aperto no peito,
Sigo a direito,
Pressentindo o desfecho,
Negro asfalto,
Longo e estreito,
Ultimo suspiro,
Ultimo alento,
-espera um pouco,
Um pouco de tempo,
Corro, corro,
Chego, como chego,
Cansado, mas a tempo,
De um último
Um olhar, uma lagrima,
Um beijo, e partes
Em paz,
Nos meus braços,
Esperaste-me,
Como sempre,
Que chegasse,
O primeiro,
Para poderes
Por fim descansar!

Alberto Cuddel

Janela

Janela

Não feches a janela fechada
A noite não é dor na alma
O dia proclama verdade nua
Acordar segura que a vida é tua!

Amor?
Inusitada vontade
Solidão quebrada
Arrastada pelo chão da saudade…

Alberto Cuddel

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