A descriminação de um copo estalado…

A descriminação de um copo estalado…

Perde-se o licor de baco
Sopro da indiferença
Olhares que condenam, que matam
Que julgam, recriminam…
Pela diferença,
Apenas rachado e já polido no bordo…

Alberto Cuddel
9.4.19
In: Dor da salinidade do olhar

Quebram-me os olhos…

Quebram-me os olhos…

Como estilhaços de janela atravessada
Quebram-me a alma que olha
Pela a incúria dos que não pensam
Para além de uma porta fechada…

O amanhã é a consolidação do que aprendemos ontem
Antes que o erro se repita.

A de Alberto Sousa
15/04/2019
In: A Salinidade do Olhar

À janela…

À janela…

Havia uma rua estreita cheia de janelas fechadas, era uma vila pequena, de gente simples, destacava-se uma janela, branca, alta, com um pequeno gradeamento e um sorriso, sempre meia aberta, paredes gastas quase sem tinta a notar-se ainda um tom ocre, gasto do tempo e das intempéries, uma janela onde acorriam os pombos, os pássaros, a única companhia de Dona Felismina, uma resistente da solidão, um “bom dia”, rasgava o silêncio da rua a quem passava, sempre com uma palavra amiga, um gesto de apreço, dois dedos de conversa…
Hoje a janela não se abre, na rua estreita que subia, já não mora ninguém, não há pombos nem pássaros, apenas andorinhas sobem e descem a rua, e nos beirais chilreiam as ninhadas, na rua estreita apenas mora a Primavera, no resto do ano, ninguém.
A Dona Felismina, morreu o ano passado e na rua estreita apenas mora o silêncio, quebrado pelos passos de quem a cruza, há como nesta vila muitas ruas cheias de janelas fechadas, e outras cheias de gente sozinha…

Alberto Cuddel
10/04/2019
In: Dor da salinidade do olhar

Prefácio de um livro inacabado…

Prefácio de um livro inacabado…

Declara o autor no final desta obra o acto de ainda a ter não escrito, já que a obra poética encerra em si mesma uma abertura de espírito hermética, condicente com a beleza de um vaso vazio que floriu no Inverno.
Na poética taciturna do autor é exposta a luz da palavra na intermitência de um pirilampo, morto no soalho de cimento de uma sala, de um qualquer consultório de arquitectura de obras acabadas.
Toda esta dicotomia do sentir exposto da alma dilacerada, está bem patente no poema “Palavras que não disse” onde o poeta apresenta-se perante o leitor e peremptoriamente, no decorrer do terceiro verso a razão do seu silêncio afirmado “… …” , já sobre o amor no poema seguinte “Por ódio te deceparei” o poeta expõe a busca infrutífera pelo orgasmo precoce, chegando mesmo afirmar no ultimo verso, “ai meu deus, quase cheguei lá”.
Estamos por isso perante uma obra de culto, onde a arte de não dizer nada é glorificada até ao pormenor de não ter acabado o livro. Uma obra a ler com todo o cuidado e atenção, logo que alguém a acabe de escrever.

Alberto Cuddel

Nesses olhos inquisidores com que me fitas de baixo acima…

Nesses olhos inquisidores com que me fitas de baixo acima…

Li, sem entusiasmo e sem pasmo, esses olhares que me deitas na prosa, talvez até poemas, mesmo que me aprouvesse dizer umas quantas coisas estúpidas sobre o modo como me olhas as letras, apenas me despes, numa procura infrutífera por um Tiago, quem sabe até um Januário escondido por detrás da camisa, revoltado com as leis debitadas por uma assembleia da Ré-Pública. Talvez procures janelas castanhas, ou verdes de Sol, ou a mera coscuvilhice que te transtornou o cérebro a tal ponto de te parecer provável e plausível que as sombras de ideias que usualmente desenho nos versos e habitam as almas confusas, não sejam apenas isso, “ideias” de um sentir que apenas tu sentes, porque nenhum outro viveu a tua vida.
Talvez procures nas letras de uma Joana um sinal cabal de uma infidelidade do sentir, ou num Sírio que brilha nos confins do universo uma vontade férrea de sexo antes de morrer, talvez procures sinais de uma linguagem codificada que só tu entendes quando te digo que te amo, assim declaradamente ao mundo…
Às vezes em conversas distraídas que me ocorrem em pelo acto de pensar, vem-me à alma outras loucuras e amo de novo como pela primeira vez, não pessoa diferente, mas tu, apenas tu, ainda que procures nas letras outros corpos e outros orgasmos, apenas o poema existe como testemunha cabal de uma realidade sonhada de tão real…
Há na complexidade burocrática do meu acto de escrever uma loucura que me atrai, e nessa loucura desenhas teses mirabolantes de uma vida que nunca tive, a minha realidade mora ali, neste corpo terreno, bem dentro do peito, e tu? Tu sabes que existes, e eu também…

Alberto Cuddel
09.04.2019
In: Dor da salinidade do olhar

Navegabilidade do copo

Navegabilidade do copo

Ando perdido por aí
Entre um copo cheio de nada
Numa vida completa de tudo
Que nos morra a violência
Entre um abraço e o outro…
Enche-me de novo…

Alberto Cuddel
6.4.19
In: Dor da salinidade do olhar

Noites irritantemente sombrias

Noites irritantemente sombrias

Sem sombra de dúvida
A noite morde a sombra imaginaria
Daquele que se deita ausente da vida…
O luar grita contra a parede branca
Folhas que se agitam vazias,
Limpem-me o olhar…

Alberto Cuddel
3.4.19
In: Dor da salinidade do olhar

Calar-me-ia se a saudade nascesse…

Calar-me-ia se a saudade nascesse…

Sinto que não, nada existe na espontaneidade do silêncio
Tudo seria inglório, tudo seria esquecido
Gravo a ferro quente a dor entorpecida
Uma verdade escondida, que teimo em calar…
O resto? O resto é espera e angústia…

Alberto Cuddel
2.4.19
In: Dor da salinidade do olhar

Website Powered by WordPress.com.

EM CIMA ↑

%d bloggers gostam disto: