Entendam que ele hoje…

Entendam que ele hoje…

entendam que ele hoje ressuscitou e fez-se homem
olhou-se no espelho e viu-se pela primeira vez…

saltou do poço onde vivia e viu o céu…
vestiu-se, e partiu pelo mundo, como se o mundo fosse seu
sabia quem era, como era, quem queria, como queria, onde podia chegar…
calçou sapatos novos, e caminhava na direcção oposta,
altivo, consciente…
entendam que ele hoje é diferente, não é poeta, não é homem, não é alma
não é amor, carinho, paixão, carência, tesão… não, não, não…

entendam que ele hoje é…
apenas é, pleno, inteiro, alma…

os seus passos fazem nascer flores, as nuvens tremem à sua passagem
o seu sorriso ilumina, contagia, seduz…

entendam que ele hoje deixou de ser quem era…
e ele foi quem não merecia durante demasiado tempo…
demasiado tempo… demasiado tempo…
até que se havia esquecido de quem efectivamente era…

entendam que ele hoje é…

António Alberto Teixeira de Sousa
24/05//2023
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

Ressurgimento

Ressurgimento

há uma revolta que se anuncia
esse saudosismo torpe de velhos tempos
essas flores murchas que se erguem das campas
sementes que voam pelos caminhos
um joio que infesta as searas… e hás tu!

essa voz que me clama longínqua do deserto árido
que me adoça o palato com mel silvestre
que me veste de si mesma, promessas de prazer e mel…
palavras vis, promessas vãs… e um toque peito
um calor no ventre, uma promessa de leito…
e uma certeza de morte…

no bailado dos lábios, balbuciando mentiras
rejeitamos o que queremos,
dizemos o seu oposto, amamos da boca para fora,
bebemos da mentira que nos condena…

ressurgimento…
essa vontade férrea de ser alma
olhar o mundo decadente e exigir calma
estender a mão ao indigente
juntar-me a ele e sermos gente
subir bem alto, gritar diferente
sem promessas caminhar e fazer…
o caminho é-nos muralha que nos defende…

Alberto Sousa
11/09/2022
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

Não sonho possuir-te. Para quê?

Eu não sonho possuir-te. Para quê?

“E já que queremos ser estéreis, sejamos também castos, porque nada pode haver de mais ignóbil e baixo do que, renegando da Natureza o que nela é fecundado, guardar vilãmente dela o que nos praz no que renegámos. Não há nobrezas aos bocados.
Sejamos castos como eremitas, puros como corpos sonhados, resignados a ser tudo isto, como freirinhas doidas…”
Bernardo Soares

Que o nosso amor seja uma prece, genuflectidos diante um do outro por entre gemidos e bocas cheias de fecundo saber. Que todos os nossos momentos sejam rosários cadenciados no estudo da décima, que a Salve-Rainha advenha dos teus lábios, que Avé maria te leve á loucura, que o Pai-nosso venha apenas no fim, antes da nossa glória… sejamos castos um no outro, sejamos estéreis os dois.

Tudo findará, mas nos iremos prevalecer à fé dos homens, homem e mulher, e fecundaremos de novo a terra, inventando novos deuses, novas fés, sendo deuses, de pedra e de pé…

Escrever é lembrar-me das coisas, de ti e de mim, possuo-te aqui na memória em que nos escrevo, creio tantas vezes que caminhamos num abismo vazio de vida, porque tudo apenas parece, chegamos mesmo a dar saltos temporais entre um momento de lucidez e outro, no pleno tempo que, entretanto, passa, somos marionetas programadas por uma vida civil e uma sociedade militarizada pelas regras e leis… esquecemos de orar, de meditarmos um no outro em posições impossíveis de Yoga… sejamos francos, sinceros, às vezes queremo-nos, outras esquecemo-nos…

Sabes já ontem escrevia versos, e achava-os bons de verdade, mas hoje sei que não, são apenas versos como tantos outros versos escritos por outros tantos que escrevem versos bons. Lembrei-me disto como de outra coisa qualquer de um livro qualquer que poderia estar a ler como “Depois do Fim”. Tenho que te pedir perdão, não é fácil, mas há verdades e segredos que devem ser ditos, antes que me consumam por dentro e me corroam as entranhas. – Ontem trai-te…
(silencio)

Sei que não é fácil ler, acredita muito mais custoso é para mim escrever-te, mas é a verdade, ontem sonhei que te fodia, e tu não estavas ali comigo, estavas a trabalhar como de costume, mas cometi em sonho o terrível pecado da fornicação com mulher casada, sem que estivesses comigo… não sei se me poderás perdoar ou até se cresce em ti o desejo de vingança e, o cometas também, comigo sem que esteja contigo…

Este tempo intermitente mata-me… e eu adormeço, como um morto-vivo… ando por aí… até que te possua em mim…

António Alberto Teixeira Sousa
In: Sonho perigoso de um futuro que pode acabar…
04/08/2022

Deste vicio que me arrebata para a loucura…

Deste vicio que me arrebata para a loucura…

Escrever é em mim um vicio, para uns um vicio bom, para outros um comportamento psicótico e castrador da minha liberdade, escrever implica também doar-me, nas palavras e no tempo dedicado à leitura, escrever compulsivamente implica também comportamento análogo na leitura, nunca lendo apenas um livro ou um género de cada vez, chego a dar por mim a ler três ou quatro livros em simultâneo. Sei que faz confusão a muita gente a quantidade de páginas e géneros que escrevo, e se vos faz confusão a vós imaginem a mim.

                Podia falar-vos de cada personagem, de cada heterónimo, quem são, de onde vêem, desde o Alberto Cuddel o mais conhecido e de carreira mais longa, ao já desaparecido Sírio de Andrade e sua paixão platónica Pyxis de Andrade, o Erotismo e sensualidade do Tiago Paixão, a maledicência e intervenção social e política do Januário Maria, a carência afectiva e física de amor e paixão sentida por Joana Vala por culpa de um marido mais focado em proporcionar uma vida financeiramente estável e todo o conforto material, passando ainda pelo Suicídio poético ou a catarse ultima do sofrimento, violência domestica pelo sentir das vitimas, sejam mulheres, homens, crianças ou idosos, seja a violência física ou psicológica, seja a dependência emocional e financeira para com o agressor, e como a vitima nos olha a nós sociedade… por ultimo eu mesmo, pensamentos, emoções, formas de estar, divagações…

                Um dia irei deixar de escrever, não por falta de vontade, mas por se terem esgotado as palavras, por já ter escrito em todas as conjugações de sentimentos, por já ter sentido todos os orgasmos, por se terem esgotado todas as lágrimas, por estarem mortas as vítimas, pelo inevitável divórcio da Joana, pelo conformismo da Pyxis, pela censura as palavras de revolta do Januário… um dia calar-me-ei em pleno também a mim… quando tudo já tiver escrito, e falta-me tão pouco…

De todos os poetas que há em mim há um que deveras aprecio, que sinto como o mais verdadeiro e fiel da minha estrutura orgânica e emocional, esse poeta é aquele que nunca declamou um poema, que nunca escreveu uma palavra, esse poeta é o que se senta recostado no cadeirão da varanda, enquanto arde um cigarro e olha as letras juntas de um poema, e silenciosamente o bebe, o degusta e o sente… em silencio, o melhor de mim é o que lê, e o que vive… sem pensar a poesia… porque ela sente-se… assim sem métricas, sem regras ou balizas…

António Alberto Teixeira Sousa

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Essa insegurança crua da existência humana

Essa insegurança crua da existência humana

“não trago o sol nem a lua na algibeira.
não quero conquistar mundos porque dormi mal,
nem almoçar a terra por causa do estômago.”*
tão pouco erguer-me por aí com as dores nas costas…
os pinheiros altos dormem ali sob as nuvens
as galinhas ainda hoje beberão de pé…

sob a terra quente debaixo dos pés
o ruido metálico da imaginação dos homens
pouca terra, pouca terra, e o mar cruzado por cargueiros…
nesse capitalismo feroz da existência humana
nesse ter que impera sobre a nossa realidade do ser

onde te mora esse desejo de caminhar a par?
se a na tua prepotência exiges apenas chegar…

há em mim esse desejo absurdamente romântico de fazer existir o teu sonho
onde as flores são apenas flores e as arvores de fruto apenas arvores
e delas nos alimentamos,
essa ideia que perseguimos
de uma cabana e um sonho de amor…
e sob a lua e as estrelas fodemos, como profecia mater do sonho do homem
um amor na mão e uma cabana sob as cabeças
e existimos ali…

realidade que não tem desejos nem esperanças,
mas músculos e a maneira certa e pessoal de os usar,
e tudo é por nós possível… e o amor faz-se, faz-nos…
porque na impossibilidade cósmica de o ver, limitamo-nos a sentir a sua existência
em tudo o que foi divinamente criado…

essa insegurança crua da existência humana
torna-se palpável, sofrível, no calor dos teus seios
e ficamos ali, tão perfeitamente reais, olhando as estrelas…

Alberto Sousa
04/08/2022
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

*Alberto Caeiro

Solidão do léxico que me acompanha…

Solidão do léxico que me acompanha…

Não sei o que mais virá em mim revolver a conjugação verbal que calo… essa concomitância do sentir tão irritantemente absurdo na busca pelo novo, quando o velho nada tem a oferecer, e fico… já não me apetece dar os passos que devo dar, não me apetece mudar, mudar dói, crescer dói, aprender dói… para que ser, se tudo aos teus olhos se resume a esse absurdo tão familiar e natural do ter… e eu tenho, e posso ter tudo…

Ergo-me atónico da mesa do café, como se nunca me houvesse ali sentado cansado de olhar o mundo, e tu passas por ali como um desafio ou a tentações de Cristo, e eu? Finjo em mim que te resisto, não pelas formas do corpo, mas pelo desafio do espírito, tu fêmea, dona e senhora do mundo, na tua certeza multitarefas sabes, como sempre soubeste que podes por tu criar toda a humanidade. Isso revolta-me, o facto de me saber apenas escolhido, sem a mínima hipótese de ser eu dono do meu destino…

Em mim foi sempre menor a intensidade das sensações que a intensidade da consciência delas. Sofri sempre mais com a consciência de estar sofrendo que com o sofrimento de que tinha consciência. A vida das minhas emoções mudou-se, de origem, para as saias do pensamento, e vivi sempre mais amplamente o conhecimento emotivo da vida, como se procurasse nesse corpo e na descoberta do prazer nas sinapses neuróticas a razão humana do sofrimento da criação. E Deus criou-te, eu nasci de ti Mulher, solidão do universo que me acompanha… quero-te porque de ti descendo, para te absorver em mim nesse sentir complexo de tudo sentir…

António Alberto Teixeira Sousa
In: Sonho perigoso de um futuro que pode acabar…

Ontem a véspera de hoje…

Ontem a véspera de hoje…

Não esperei o amanhã, nem tão pouco a saudade dos beijos que se perderam na vontade sem nuca terem sido saboreados pelos meus lábios, não, não esperei, sentei-me e parti dali sem rumo certo. Olhei-te ainda como numa despedida acenando lenços brancos enquanto o barco zarpava rumo a um planeta distante… tudo era tão certo e tão real, a vida era essa certeza inquieta de ser uma existência virtual da perseguição da vontade…


Olhei inquieto o espaço vazio entre mim e o querer sair dali as paredes de um âmbar fosco aprisionavam-me os sonhos, mas eu voava entre as ervas daninhas e o pouco milho que imaginava, não havia água, mas chovia no meu olhar… entre os girassóis atordoados por uma luminescência plena, sem vontade própria de seguir um rumo inexistente, apenas as caturras quebravam o silencio dos campos, não havia corujas, nem ratos, nem noite… tudo era cientificamente aborrecido…


Tive ideias de levantar-me e partir, mas o destino era em mim incógnita… para onde se nem na morte a certeza existe… saia dali, e ia… sem destino, sem rumo, sem futuro, sem metas ou objectivos, tudo estava ali pronto, bastava um pensamento, comia, na ilusão de ficar saciado, bebia… dormia, beijava-te até… nem tinha a possibilidade de sentir saudade, tudo era tecnologicamente satisfeito, todas as vontades, todos os desejos… como sentia falta de ontem, desse tempo em que corria atras de tudo, que tinha sonhos reais, desses que nunca são realizados…


E ontem era tão somente a véspera de hoje, de um tempo sem futuro e sem desejo… resta-me um, morrer… e o hoje que nos proporciona a vida não permite…


António Alberto Teixeira Sousa
In: Sonho perigoso de um futuro que pode acabar…

Uma prosa poética…

Há tantos segredos de mim e dos meus eus que gostaria de escrever, tantas verdades e sonhos de outras realidades, tantas brisas sentidas no rosto fechado entre quatro paredes, tantas viagens feitas sentado à secretaria… Tanto a dizer das vitórias sentidas na alma mas sem palavras ou festejos, tantas derrotas festejadas, tantos primeiros prémios como se fossem apenas mais um… Tantos passeios de mão dada em praias desertas, e pendiam-me os braços na solidão da serra… Tantos homicídios já desejados e tantos suicídios já ensaiados…

Quantas vezes já chorei a chegada tardia de um marido? Ou a amante que nunca me apareceu no encontro? Quantas vezes vi os meus filhos estendidos no chão ensanguentados, ou a mão bramando estridente a queda de um cinto nos costados… Quantas vezes perdi a minha mãe?

Quantas vezes perdi o chão e o céu desabou sob os meus cabelos brancos? E os dejectos dos canídeos que ninguém recolheu presos nos sapatos? Ou os sapadores desesperados abatendo a floresta, ou um rio que deixou de correr para o mar? Quantas fodas sonhadas repletas de orgasmos ficaram por dar? Quanto amor se perdeu no ar?

Tenho tantos segredos, sonhos, mentiras e sentimentos, e sintomas também… Quantas horas, semanas minutos ficaram por viver?

Tudo foi, tudo é…

Olho o mundo, com os mesmos olhos que sentem, com as mesmas mãos que erguem, com os mesmos pés que me levam, com os mesmos ouvidos que escutam… Olho o mundo e não o conheço, o mundo vive depressa de mais, com distâncias a mais, com coisas a mais, com guerras a mais, com sacrifícios a mais, com derrotas a mais, e tanto amor de menos…
Queremos sempre o que não temos, ir onde não chegamos, provar o que nunca bebemos, ganhar o que nunca ganhámos, trabalhamos duro para ter, e nada do que temos nos serve, e somos o quê nesta liberdade? Chamam-lhe liberdade a esta escrevatura do desejo, um labirinto ingreme de paredes altas cheias de regras e armadilhas…

Trepo o muro, e olho esse mundo disforme de formigas obreiras, seguindo carreiros, percursos, sacrificando-se pela a sua “rainha”, essa ideia de posse, de desejo, de regras que foi implantada no cérebro minúsculo…

Eu na inverdade dos meus eus, sou livre, dono e senhor da minha realidade, esperei, claro que sim, por quem eu mesmo atrasei, matei? Verdade, quem eu mesmo criei. Porque em mim? Em mim ninguém manda… E eu isolo-me desta realidade pequena, criando universos, onde sou tudo, sem que contudo deixe de ser este nada de matéria que ainda assim me prende…

Vivamos com menos, sejamos mais… Mais tempo, mais vontade, mais certeiros, mais calor, mais paixão, mais amor, entendamos a mão, não pela retribuição, mas porque apenas podemos…

António Alberto Teixeira de Sousa
26/07/2022

Ferro e fogo

Ferro e fogo

há nesse ferro e fogo queimado
um rasgo de lucidez húmida
entre um passo e uma corrida
uma brisa no rosto, uma negritude que se estende…

adiei o inadiável no tempo que passa
entre voos rasantes e velas cheias
viagens feitas sentado na memória dos sonhos
dormi no teu leito, ainda sem que me acordasses…

olhar marejado na saudade salgada das asas
sonhos gravados a ferro num astrolábio
realidades quentes com fogo nos dedos
no gelo dos pés? – não vou… nunca fui…

agitas bandeiras ideológicas de uma forca
essa condenação humana que nos transporta
e o barqueiro, esse cobrador de pecados
vende putas e ilusões a caminho do inferno…

talvez olhe apenas o mar

  • ali distante no sopé da serra
    a praia é a mera ilusão do satélite,
    nesse ciclo lunar, entre uma nova e a cheia…

pescas ilusões, pregando a peixes que não te escutam
chupando moluscos frescos
e ouvindo as cigarras…

a ferro e fogo
não vivemos o dia
e morre-nos nos dedos a noite…

Alberto Sousa
23/07/2022
08:00
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

Olho e não vejo o que queria…

Olho e não vejo o que queria…

sabes quantas horas tem um dia pequeno?
ou quanto mede a saudade de quem ficou?
ou porque é mais verde a erva da montanha?

já não morremos hoje,
mas ontem não estávamos aqui…
entre as clareiras da memória
existem histórias que não vivemos
mas fazem parte de quem somos…

no bailado dos lábios balbuciando mentiras
rejeitamos o que queremos,
dizemos o seu oposto, amamos da boca para fora
e apostamos em gestos de braços caídos
anunciamos ao mundo bondade…
mas sorrimos na alma adulando o umbigo…

Alberto Sousa
08-07-2022
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

Cegos sejam os poetas…

Cegos sejam os poetas…

cegos sejam os poetas aos sons da alma
na avareza insaciável do ego, palavras
perdem-se vidas nesse caminho de pedra
busca comprometida pelo julgamento alheio
nessa arte que pintas, nas estrofes que lavras
por um intrépido sorriso oculto e um tremer de lábio…

cegos sejam os poetas ao olhar do leitor
lançando nuvens de algodão em pântanos
ninguém te ouve, ninguém te escuta
e cavas fossos de interpretação na história
por deuses ortodoxos na natividade do olimpo…
e esse paraíso que te morre no submundo…

cegos sejam os poetas que constroem casas
e tento lar sem gente, vivendo na multidão
correm atras de um ponteiro que os ultrapassou
choram o tempo que lhes morreu por entre os dedos…
pancadas secas em lombos alvos sem culpa…
macho diziam…

cegos sejam os poetas aos dedos lerdos do prazer
e toda a miséria humana que os fazem perder…

vejam o mundo com novo olhar,
e cantem a beleza linguística
expondo as feridas da alma
que o mundo tenta calar…

Alberto Sousa
26-06-2022
Poemas de nada que se perdem na calçada

Essa infelicidade de ser feliz

Essa infelicidade de ser feliz

“Esse ter uma flor ali ao pé da mão e não a colher
Para que não viole a beleza da planta indefesa…”

há no espírito concreto de ser uma impossibilidade do ter
esse desejo tão pecaminosamente humano
essa vontade férrea de ser vento,
de ser ribeiro serpenteando as pedras,
de estar parado e ainda assim ter tempo,
e procuramos esse desejo férreo nas cátedras,
e sentamo-nos na beira da estrada com uma arma ao lado
choramos a má sorte, o desejo que morre entre a vida e a morte
escrevemos longas despedidas num perdão pessoal em papel pardo
de olhar lavado e rosto molhado
erguemos a mão aos céus…

tínhamos tudo, temos tudo, e mesmo assim não somos absolutamente nada…
e nessa infelicidade de sermos felizes arrastamo-nos pela vida
entre copos de uma qualquer bebida
matando-nos aos poucos, na busca do esquecimento…

procuro nos rostos a simpatia da minha confirmação
uma fé que perdi, um rumo que esqueci
vivendo já sonhos que nunca sonhei
por a vida em mim ser já um duríssimo pesadelo insuportável…

essa infelicidade de ser feliz
para que não tenhas pena de quem já viveu…

Alberto Sousa
02-06-2022
Poemas de nada que se perdem na calçada

Compromisso da insónia

Compromisso da insónia

infeliz noite, só te não pareces na agitação com a morte taciturna!
morrer é nada; é mais o que padeço nesta noite funesta.
em que acordado não adormeço, e sem sonhos de ti padeço…

sorveu a terra as torres, os palácios, as casas e as ruas,
resumiu apagando do mundo todos os sinais dos meus pés,
sumiu a morte das gentes a milhares, para que fossem bons,
desta lição tão áspera o preceito anulou, o descuido caiu no passeio…
e nem deus, nem o diabo os reclamou para si…

  • como posso eu da calunia larga dizer que morri vivo?
    como podes tu crer, que eu desisti de sonhar
    já não acredito em deuses e esperanças, não acredito nos teus gestos
    és o que sempre foste… e assim serás esperando algo que me cansei de dar
    para que continuar a comer maça, se nunca me irá saber a pêra
    e a gora só com pêras sonho…

a cidade ainda dorme,

  • há uns homens irrequietos na labuta…
    camiões que sobem e descem a calçada
    um bando de energúmenos que anda à pancada
    enquanto o álcool lhes fervilha nas veias…
    (puxaram por uma pistola e mataram)
  • era um bom filho, diriam as velhas no funeral…
    agora jaz, caído, esvaindo-se em sangue…

neste compromisso da insónia, não te incomodo, não vale a pena
apenas te iria chatear com as minhas humanas e másculas inseguranças…
dorme, dorme, que eu também hei-de dormir…
quando tudo o universo se calar dentro da minha cabeça…

Alberto Sousa
01/06/2022
Poemas de nada que se perdem na calçada

Voz queixosa de deus

Voz queixosa de deus

fiai-me o manto que me cobre
diante do queixume de deus
abrigai-me no centro da noite escura
diante do vapor da madrugada

que se erguem as vossas mãos
nesses braços silenciosos que pendem
que caminhem os vossos pés
nos corredios caminhos de pastos verdes

que nesses gemidos dos gregos deuses
não cuideis das oferendas aos homens
não vos embeiceis por ledas deusas
fertilidade da terra que vos chega ao nariz

cuidai de ser… a guerra nasce do ter
dessa avareza gananciosa da terra
nessa voz queixosa de deus, morremos
não escutamos as palavras que nasceram
por morrem fora dos nossos ouvidos
não sofre a nossa terra esta linguagem;
país onde se queimam feiticeiras
descobrem o mal numa inocente imagem,
como o demónio em casa das primeiras.

fiai-me o manto que me cobre
diante do queixume de deus
afastai dos vossos olhos a vergonha
da visão que minhas palavras mostram…

Alberto Sousa
29/05/2022
Poemas de nada que se perdem na calçada

Pensei amar-te…

Pensei amar-te…

“pensei amar-te, mas queria-te possuir na alma
todos os teus orgasmos pertenciam-me, assim o desejava”

Doar-me-ei por inteiro na vida e na alma
Não pelo altruísmo do ego, mas por amor
Esse que ganha significância na dadiva plena
Entre um rubro luar e um laranja do sol por

Nessa réstia de humanidade sou-te pleno
Nesse ondular da perfeita e alva maresia
Num crente caminhar duro e terreno
Diante de tudo o que o sonho mais queria

Ofertei-me no corpo, na excitação rubra
Nesse almiscarado e doce odor do prazer
Diante do desejo que de mim te cubra

Força orgasmica do corpo conhecimento
Dessa força que nos amarra e faz viver
Todo o orgasmo, eternidade, momento…

Alberto Sousa
22/05/2022
Poemas de nada que se perdem na calçada

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