25 de Abril de 1974 – Revolução dos Cravos
Abril de ontem e hoje esquecido
Nasci na véspera deste nosso Abril
Frágil, franzino, nas mãos da mãe
Contaram-me dos ensaios, motivações
Das convicções, da fome, prisões
Da falta de liberdade, de escolha,
Contaram-me que um punhado de heróis
Por estes ou outros motivos, com cravos na G3
Libertaram este povo de uma vez…
O Abril morreu ontem ai sentado
Não há velho pelo jovem lembrado
Não à memória da fome e sofrimento
Não sabem o que é gritar cá dentro
Palavras presas entre os lábios
E olhar as estrelas, e astrolábios
Com os olhos inundados de palavras choradas
E a barriga cheia de fome…
Em angola morre, mais um homem…
Conquistaram, para quê?
Que valor lhe dão
Os que nunca lutaram por pão,
E todos quantos nasceram com tudo
Até com palavras a mais…
E muitas acções a menos…
Gritam, reclamam, mas fazer, nada…
Alberto Cuddel
25/04/2017
0:11
25 perdido!
Nostálgica liberdade,
Pelo povo desejada,
Militares ensaiada,
Na rua conquistada,
Na voluntariedade de agir,
Esquecida nos pais,
Moribunda nos filhos,
Dos netos desconhecida!
Liberdade esquecida,
Que de consciência não se faz,
“Alguém” que por mim fará,
Aquilo que deixei de fazer….
Sangue novo saído,
Ao estrangeiro impingido,
Perdida a jovialidade,
Desta pobre liberdade!
Alberto Cuddel
A cada Abril
A cada Abril tudo volta a ser recordado
A cada um sem memória, não há forma
Sem que a falta e abstinência seja sentida
De tudo o que tenha por garantida
Encontrares em ti o sentido da liberdade reprimida?
Abril está ai, nas telas, nas ruas, nos cravos, em todo o lado
Mas tu? Não encontras em ti, nada que lhe dê significado
Tudo é garantido, nada é por ti conquistado,
E tu filho da liberdade? Lembra-te antes dela
Nada… tudo era apenas um sonho, de um homem acordado…
Januário Maria
Depois de Abril
Depois de Abril a euforia primaveril
E a vontade de fazer coisas,
De dizer coisas, de manifestar-se pelas coisas,
Na euforia de termos coisas, descansamos
Gozamos alguns meses de Verão,
Ganhamos o gosto por estar estendidos
Olhando o céu, sem pensar nas coisas,
Depois de termos gastado algumas coisas
Chegou-nos o Inverno, imobilizados
Pelo frio e preguiça, de conquistar coisas
Deixamos que as coisas se gastassem
Colocamos as coisas nas mãos dos outros
Dos “eleitos” esses usam as coisas
Sem que nós vigiemos, enrolados
Nas coisas da vida e na preguiça,
A cada dia de sol deste Inverno
Alguns poucos gritam coisas na rua
Mas logo se recolhem à primeira chuva…
E assim queixamo-nos das coisas que perdemos
Das coisas que se gastaram, mas ninguém
Cuida das coisas, das suas próprias coisas
Que são afinal de todos!
Alberto Cuddel
Poema XXXV
Poema XXXV
ás vezes ergo a cabeça estonteado dos livros e olho o mundo,
olho no alheamento da realidade que a fé nos homens me impõe,
seria mais fácil a divagação abstracta do prazer do corpo,
nas acções do sentir procuro a vida na plenitude das horas
um altruísmo catódico da caridade divina praticada nas mãos!…
não há nada como ser o primeiro dia de vida
vestindo-me de vida a cada sonho
conheço o dia límpido e vazio
há na morte lugar aos heróis
abafo em mim as palavras que calo no silêncio
o pensamento eleva-se á elegância do conhecimento
nesta fusão com o real, porque a realidade é o que sempre foi natural…
nesta análise rápida da vida, fundo-me com as nuvens que passam
pela certeza que há um futuro depois, diferente do agora…
ás vezes acontece de reprende, a realidade acontece ali diante de nós
e tudo é tão naturalmente certo, tão correctamente vivo, tão divinamente amor…
olho o dia, a vida espera-me, realmente espera-me, e eu vou…
Alberto Cuddel
04/04/2019
09:45
Poema XXXIV
Poema XXXIV
gritas-me de olhar cheio de raiva:
– vai morrer longe!…
e eu vou…
confundi-me com a tinta negra e escorri para fora da folha, ali ao lado da janela
preencho-me com a imensidão de absurdos e desassossegos
medito de olhos quentes na verdade que vi, e desce a tarde pelo tempo
histórias fúteis de um caçador de palavras que ama o que mexe…
resvalo num precipício da ignorância numa esperança vã, o café arrefeceu
na mesa longa e vazia repousa um braço cansado olhando o mundo
pedras contam a dor lancinante do ódio, esse que lhe nasce no fígado
o poeta jaz… pálido, abatido, acusado de perjúrio ele que apenas sentia os sonhos…
(se fosse eu mentiria com todos os dentes, mas um mar inundaria o teu olhar)
Nós e todos os outros que vivemos da palavra, que a respiramos,
que a aspiramos pelas narinas, que nos excitamos a cada verso…
nós que atravessamos o palco em silêncio pela palavra escrita
somos falsos, somos actores? Nós que nos entregamos à poesia
que morremos nela e por ela, que nos suicidamos a cada ponto final
que nos apaixonamos em cada título, que choramos cada dor!
Somos nós os falsos?
E tu? Que iludes com o que não sentes, iludindo o leitor, num jogo repetido de palavras…
gritas-me de olhar cheio de raiva:
– vai morrer longe!…
e eu vou… morrendo a cada poema…
Alberto Cuddel
02/04/2019
18:36
Poema XXXIII
Poema XXXIII
“quando eu nasci, chovia, tinha havido missa
mas chovia”
quando eu nasci, gritei ao mundo por fome
e chovia,
não haviam florido flores nem o sol aquecia…
o meu nascimento foi a queda contra a vontade
um precipício sem fundo de um tempo finito
fiz-me escravo da vida existente
– suplica constante de fome…
fome e sede de uma alma inquieta,
nasci, vivi, fiz-me herdeiro, fiz-me poeta
certeza solta e disforme, na palavra fez-se concreta
ilusão plena que a vida existe, para além do verso…
se por Deus vivo, por Deus também transpiro
Alberto Cuddel
31/03/2019
19:25
Paternidade ou a falácia dos direitos iguais
Paternidade ou a falácia dos direitos iguais
Vivo num país onde ser pai só é valido a partir das 10 semanas de gestação, a partir desse marco histórico o Homem adquire todos os deveres, sim deveres porque direitos são apenas uma miragem. O “pai” ou direi macho doador de uma parte de ADN, tem o dever de contribuir financeiramente para a criação de um novo ser humano (só em 7% dos casos de divorcio a custódia dos filhos menores é atribuída ao progenitor e por norma por desmérito ou incapacidade da mãe). Existe o direito de amamentação que assiste à mãe, mas caso ela não tenha capacidade genética para o alimentar biologicamente esse direito não é passado ao progenitor para o alimentar a biberão e assim criar laços.
Ser Pai é muito mais do que doar material genético, é uma decisão tomada a dois num mundo onde ele não tem quaisquer direitos, ser pai é ter a obrigação criar e a moral de educar. Mas cada vez mais ser pai é uma luta inglória contra um sistema matriarca onde a mulher impera, já nem falo no processo educacional onde o “pai” é olhado de lado nas reuniões escolares, ou quando figura como encarregado de educação.
Ser Pai é lutar contra todo um sistema montado para a desresponsabilização do homem, para benefício da mulher.
Ser pai é ser descriminado no local de trabalho quando avisa que ira ficar em casa por o filho estar doente (mas o teu filho não tem mãe?). É ser olhado de lado pelos colegas quando tem que ir a uma reunião da escola, com o filho(a) ao medico etc… ser pai é estar preparado para ser discriminado… Se um pai refere em publico que deu banho a um filho ou filha com 2 anos, está com sorte se não for acusado de abuso sexual de menores.
Em suma ser Pai é um acto de enorme coragem…
A de Alberto Sousa
Bom dia amor
Bom dia amor
E se eu não te amasse, se tudo o que sinto não passasse de uma mera ilusão, de um engano? Se aquilo a que chamo amor fosse apenas uma dependência gerada por hormonas em sobressalto e por sinapses erróneas na ligação entre neurónios, se a saudade fosse apenas a ressaca da ausência do teu corpo, na mera dependência de um orgasmo obtido em ti? E se aquilo a que chamo amor, fosse a mera dependência de ti, como parte nascida de mim pela mão direita de Deus?
Talvez possa ser, talvez seja ou não amor, talvez seja uma mera dependência orgânica, mas continuo a quer escolher Amar-te todos os dias, ou meramente a ser dependente de mim em ti.
Mas sei e disso tenho a certeza plena, daqui a pouco amas-me, logo que o meu corpo se desloque na direcção da dependência do teu, logo que a minha alma, num esforço sobre-humano, eleve a carne na direcção da casa a que chamarei lar. Sim sei que me amas, da mesma forma que eu mesmo não sabendo amo-te!
Pode não ser hoje, mas encontrarei uma fórmula científica para medir a decisão do nosso amor, mesmo que para isso tenha novamente que convocar todos os homens como testemunhas do acto da nossa dependência.
Gostava de te contar um segredo, um daqueles segredos românticos, de que as flores do nosso jardim apenas continuam a florir pelo amor que sinto por ti, mas não era um segredo, seria apenas uma mentira romântica, as flores continuam a florir porque eu as rego, da mesma forma que me alimento, alimentando em mim a fome do amor e do desejo que sinto em ti, a cada dia de novo, e a cada manhã em que decido loucamente Amar-te!
A de Alberto Sousa
Poema XXXII
Poema XXXII
branco como o golpe em noite desabrigada
um espaço vazio de um cálice partido
o estomago cheio de um nada, colado as costas…
há uma resistência atrófica nos olhos em sangue
embarcado sem tempo vagueando pelas ruas
uma solidão incapaz de ser ainda gente…
– estendi devagarinho a mão, olhou-me na desconfiança e sorrio…
nos acordes menores de uma voz trémula, gemeu
– bom dia…
há dias em que o dia acontece
o sol volta a nascer no rosto de alguém…
Alberto Cuddel
29/03/2019
17:50
Poema XXXI
Poema XXXI
entre a normalidade da diferença
há indiferenças que matam
nessa tua normalidade tão igual
impões muros e barreiras
saberás tu ler os gestos
escrever por pontos, ler os passeios
reconhecer o restaurante na esquina
do outro lado da rua pelo cheiro?
não é o meu aspeto diferente que te incomoda
mas a capacidade de me amar no mundo
sou diferente, na minha diferença, único
ser humano porque penso e sinto igual
Amo-me…
as barreiras do mundo normal
fazem de humanos normais
diferentes…
uma mão, um gesto, um atravessar de rua
uma palavra, fazem de gente normal
diferente
isso assusta-te porque a ti normal
ninguém te vê
Alberto Cuddel
26/03/2019
Poema XXX
Poema XXX
eu disse tarde? não seria noite?
porque me despes? porquê?
porque matas toda a vida que me resta?
doí-me, doí-me o corpo e a vida
só queria ser criança, como todas as outras crianças
porque me roubas o que elas têm de melhor?
a inocência?
não, não mais, os segredos matam…
chega, basta, quero viver…
e tu estas doente, tu és doente…
Alberto Cuddel
25/03/2019
19:20
Poema XXIX
Poema XXIX
é tão bom calar a alma sob o sol alto
e ficar, apenas ali a secar o corpo
no inquietante silêncio do mar…
já não sou forma, apenas vento
não corro, apenas sento
olhando o infinito que se afasta de mim…
(…)
descubro homens cinzentos que pescam
almas carentes por isco
há rosas sem espinhos e facas que não matam
um gesto brusco de quem mata vestido
arranca do peito um coração partido…
cansamo-nos de tudo, do sentido de fazer
há uma incompreensão sentida
no que nunca foi dito ou feito
mas caímos, como quem morre
pela compreensão do que nos foi exposto
– já não penso, pensar cansa
– já não sinto, sentir dói
– já não morro, morrer é ser lembrado
– já não vivo, viver é escrever…
Alberto Cuddel
24/03/2019
14:55
Poema XXVIII
Poema XXVIII
há velhas espalhadas pelo jardim
bancos e chinelos abandonados à sorte…
há momentos de sossego na cidade
desassossegada alma ardente do campo
ferocidade solitária da natureza!
marcam um tempo que não gosto as palavras
as palavras, palavras, simples palavras
caladas, ditas, escritas…
caiadas em telhados de zinco frios
sob um luar encoberto…
onde nos moram as paredes caiadas e as memórias?
apenas palavras, os gestos esses, morreram…
Alberto Cuddel
24/03/2019
14:40
Um de nós
Um de nós
um de nós ou outro qualquer que ainda não tenhamos feito nascer, que nos arremata na loucura da perseguição da fé, esse acto laico de um egoísmo educacional a tantos chamam “felicidade”, um de nós será feliz na loucura do seu mundo com ele próprio, depois de tudo isto, sentamo-nos a uma mesa sozinhos e comemos uma refeição que não gostamos, lendo um livro que não queríamos, tudo para que possamos ser felizes com o oposto a isto mesmo.
as nuvens continuam a correr para nascente, são independentes do que sinto, há casas coloridas e passeios cinzentos, há até soleiras de pedra onde dorme gente…há reflexos de poemas escritos por outros, entre janelas verdes e mares salgados, formas humanas que correm com sentido disforme, não pensando em nada, quem sabe a maioria nunca leu um poeta, nunca roubou tempo à vida para se sentar, calmamente, sentir o perfume do papel, e aspirar as letras, e ficar ali, a remoer o poema, como se fosse o último chocolate do prato.
mas um de nós corre, um de nós grita, um de nós geme, um de nós chora, o outro? o outro fica, e corre na perseguição dos dias, e grita de alegria a cada notícia, e geme de dor a cada vez que se levanta da cadeira torcida, e chora a cada beijo, a cada nascimento do dia… um de nós vive, um de nós morre, um de nós é, porque um de nós existe…
enquanto o outro se esconde.
Alberto Cuddel
13/04/2019
Plantado em ti…
Plantado em ti…
plantei-me no teu peito antes de me saber semente
mesmo que de ti leve as sombras dos beijos
cravadas no sorriso, serei minúsculo na vida
diante da magnificência da tua dedicação…
quando na madrugada me abraças o silêncio das lágrimas
nada sou, simplesmente homem, simplesmente imperfeito…
arrancas-me desta vida pacata a beira do tédio
mostras-me o precipício da paixão por onde avanço
desassossegas-me o peito estagnado ao sol do inverno
flui o abandono dos dias em viagens intermináveis
há nas rosas perfumes gravados de corpos
e espinhos que nos lembram a dor da gestação…
há entre nós tempos mortos insuportáveis
onde não flui a palavra, apenas silencio
essa dor que nos amedronta no nos julga
na esperança natural da ressurreição
vida nova que nasce das cinzas do ontem…
plantei-me no teu peito antes de me saber semente
para florir nos sorrisos de um amanhã…
assim é a realidade real da constatação do que dou
seria insuportável que assim não fosse
se não me soubesse nascido antes mesmo de acordar…
ainda que seja verdade o desassossego da dor que é o amar
no tudo que nos damos a cada chuva de substrato que nos alimenta…
Alberto Cuddel
11/04/2019
Comentários Recentes