Um lugar surpreendido pelo olhar

Um lugar surpreendido pelo olhar

Jamais se encantariam teus olhos
Senão num sonho onde depositas a saudade,
Cai distante, por detrás do monte o olhar teu
Depois da curva de onde o amor te levou!

Jamais vi neles tristeza,
Apenas a alegria do regresso
Que trazes no abraço do teu regaço,
…Saudades da tua mãe!

Fixas o olhar no presente, outro lugar
O futuro chegará sozinho, lágrima caída
Inesperadamente.

O sol ainda se põe, nesse mesmo lugar
Escondido por detrás do olhar, lá longe
Do outro lado, do outro lado do monte…
Depois da curva de onde o amor te levou!

Alberto Cuddel
19/05/2017
00:04

Nunca me disseste que ia doer tanto

Nunca me disseste que ia doer tanto ver a tacanhez humana no seu esplendor, ver o egoísmo humano nos píncaros da ordem do dia, o mundo convulsiona-se numa tosse, num estado febril de histeria colectiva. Eu, eu, eu… tantas vezes eu…

Nunca me disseste que ia doer tanto tomar a consciência de que a mudança ira ser dolorosa, que ira criar muitos conflitos, que a tolerância é zero. Doí-me a descriminação, “fechem as fronteiras” mas deixem sair e entrar mercadorias, “fechem as fronteiras” mas coloquem os nacionais que chegam em quarentena forçada como criminosos, “fechem as lojas e escolas, fechem os restaurantes e hotéis”, mas deixem-me comprar papel higiénico, mascaras, quem sabe até preservativos… “Paguem-me o salário”, “não me roubem as ferias”, “sacrifícios? Isso é para os outros, eu bato palmas à janela”…

Nunca me disseste que ia doer tanto saber que milhões não irão ter emprego, que o meu salário será diminuído, que irei ter que mudar a forma como vivia, que amanhã irá existir fome, gente sem casa, sem pais, sem vida…

Nunca me disseste que ia doer tanto que por ontem não existir uma responsabilidade individual, que por ontem não se cumprirem regras, lares de idosos foram infectados, milhares perderam os que os criaram, que por não se cumprirem regras dezenas de negócios fecharam…

Nunca me disseste que ia doer tanto ver que poucos se importam com o depois, o que fazer depois, apenas pedem para que as contas sejam suspensas, que os apoios caiam do céu, que o “estado” ou seja “nós” todos paguemos… mas parte de “nós” apenas pede, e todos irão pagar…

Nunca me disseste que ia doer tanto ver a tacanhez humana no seu esplendor, e não entenderem que depois de amanhã, continuará a ser Primavera, que a terra está mais limpa, que a vida como a conhecemos, terá que se tornar simples, mais lenta, mais humana…

Nunca me disseste que ia doer tanto ver a tacanhez humana no seu esplendor, por não entenderem que depois de amanhã muitos não irão abraçar, estender a mão, caminhar de olhar no chão, porque no auge da guerra eles estiveram lá… lá fora a trabalhar… e não falo de médicos, de enfermeiros, de policias, caixas de hipermercado, motoristas, funcionários das empresas de electricidade, água, comunicações, transportes, dos cuidadores dos nossos idosos… mas dos outros, dos invisíveis, dos que tratam dos nossos despojos, da nossa alimentação, dos que produzem, dos que realmente fazem falta… dos que hoje se coíbem até de dizer bom dia a quem trabalhava lado a lado, dos que passaram a desconfiar da própria sombra, para que tudo se mantenha a funcionar… Nunca me disseste que ia doer tanto ver a tacanhez humana no seu esplendor, ver tanto esforço não reconhecido, levantar pela manhã e enfrentar a luta de frente sem poder dizer não, e no fim, no fim iremos PAGAR todos, a irresponsabilidade individual de muitos que não protegeram os outros de si mesmos…

In: Nunca me disseste que ia doer tanto

Procuro-me

Procuro-me

Nos teus pensamentos e sonhos
Na morte do horizonte
Nos beijos sonhados e dados
Na fé proclamada em ti
Encontro-me na busca
Que ainda hoje faço de ti…

Na significância das palavras isoladas
Amor, ódio, paciência, inquietude
Na variação perpétua do caminho
Encontro-te, e em ti, procuro-me…

Alberto Cuddel
25/05/2017
0:45

Neste acreditar sem fé

Neste acreditar sem fé

depois do tudo que é,
sem bom dia e sem abraços…
creio antever ver que ira ser
nada será como é, e tudo será novo depois

acontece-me às vezes,
sempre que acontece e quase de repente,
surgir-me no meio das sensações um cansaço
tão terrível da vida do que já foi
que não há sequer hipótese de acto
de beijo, de contacto

como dominá-lo? esse desejo de afecto
essa vontade de ter, de receber de gastar e esbanjar
o que hoje não tenho, não temos…

para o remediar o suicídio parece incerto,
a morte espreita, mesmo suposta, a inconsciência,
há um toque fútil que contamina…
ainda pouco, um cansaço que ambiciona,
agarrei-me ao varão para o saber existir
— o que pode ser ou pode não ser possível
se doente estou porque vivo
e se de moto caminhante não passo…
neste acreditar sem fé
morro a cada dia, a cada instante…

Alberto Cuddel
22/03/2020
04:44
In: Nova poesia de um poeta velho

Do alto da ignorância de todos os sonhos…

Do alto da ignorância de todos os sonhos…

… rasgam os jornais que lhe cobriam os pés, desse conhecimento abandonado pelos mortos na estante empoeirada da biblioteca, há em mim um contraste que me esmaga e uma sede insaciável de palavra, esta fome de saber o que não sei, liberta-me a ironia de deixar voar a bandeira, e essa herança de sangue pelos egrégios avós derramado. Desse pedestal erguido pelo minúsculo ser, somos um, e muitos que um somos, neste atropelo à individualidade prometida. Há uma majestosa sensibilidade que me espanta, é essa de ver o conhecimento na boca das ruas, todos sabem tudo e todos opinam, e não pinam nada… meu quarto sou menos reles, e sozinho empino a vulgaridade de me abstrair do conhecimento simpático dos que não sabem, sabendo tudo, e opinam até da atitude deles próprios, eu reles empregado anónimo dos que tem de trabalhar, escrevo palavras como a salvação da alma e douro-me do poente impossível de sois altos, vastos e longínquos, ocultos por detrás de monte de nuvens que teimosamente estacionaram sob a minha janela virada ao poente.
Do alto da ignorância de todos os sonhos hoje nasce a Primavera, e se ela não nascesse talvez chegasse depois, talvez se atrasasse, mas chegaria, por ser a que vem depois, dos tempos de invernia…

Alberto Cuddel
21/03/2020
03:41
In: Nova poesia de um poeta velho

Velado engano…

Velado engano…

Dos erros que me assistem
– Confiança…
A infinita e crente verdade oculta num cisco
Intuitivamente crente nos lábios dolosos
Universo que acautela a verdade
Cedo ou tarde, os olhos destravam-se
Os ouvidos abrem-se
– Arrependimento suicida
Assim cheguei a isto: tudo é ilusório
No interesse absolutamente narcisista
Da verdade há apenas uma ideia
À qual não corresponde realidade.

Penso no que é duvidar,
Consciente de que acertar
Mero sonho do intelecto
Cansado, exausto, que a sonhar além
Efeitos lúcidos do engano fácil
– Poetas ledos, assim obtêm
Arrojo proveito onde não tem
Talento e dom que engrandeça
Mesmo que nas palavras vomitadas
Assim pareça…

Que Homero de revolte,
Virgílio irado se levante
Contra quem do canto
Sopre na ilusão cantada
Ao engano seja levada
Nobre e doce donzela…

Que irados ventos tombem
Quem assim se alevanta
Criando farsas do sentir
Pedra, negra e fria do fluir
Na tristemente usurpação
Alegria singela do coração!

Vaidosamente impõem
Olhar repetitivo sobrepõem
Ó deuses, quão amargo é
Este triste e velado engano!

Alberto Cuddel
20/06/2017
04:45
In: Poesia despida
http://www.facebook.com/AlbertoCuddel

Canção de país longínquo

Canção de país longínquo

“cantava, em uma voz muito suave,
uma canção de país longínquo.
a música tornava familiares as palavras incógnitas.
parecia o fado para a alma,
mas não tinha com ele semelhança alguma.”
Bernardo Soares

uma canção, um eco lamurioso
um país distante, ali, mesmo ali, à distância de uma porta
à distância de um abraço, nessa incógnita final
nada é, para protecção de todos…
parecia o fado para a alma, esse sofrer de vitória
entre derrotas individuais, sem esperança no amanhã
a nação erguida pela vitoria colectiva…
o ruído da cidade não se ouvia
não se escutava, apenas se sentia
um murmúrio, “vai ficar tudo bem”
e o bem não é de ninguém…
gemem a reclusão do tempo
para protecção da vida
que corre na esperança
de quem trabalha
e caminha pelas ruas vazias…
amanhã erguer-se-á a voz
em novos fados, canção de país longínquo
à distancia de uma porta, de um abraço…

Alberto Cuddel
25/03/2020
03:03
In: Nova poesia de um poeta velho

Nudez

Nudez

pétalas desnudas,
palidez da tez…
há um sol rubro que nos incendeia
uma lua cálida que nos alumia
uma água corrente que não pára
e há a nudez feia do masculino…
uma parede sem prumo
uma rocha gasta pelas marés
um falo hirto…

os seios eram redondos
e a pele macia, uma tez morena
os lábios rubros,
Eva, chamavam-lhe…
porque o homem a conheceu mulher…
e a cobiçou para si…

depois, depois veio a nudez
e o natural
tornou-se excepcional
e o homem quis, e imaginou sozinho
acabrunhado no seu canto
a nudez virou pecado
e o pecado se fez prazer
ali diante dele próprio
consigo mesmo…

Alberto Cuddel
20/03/2020
03:41
In: Nova poesia de um poeta velho

Poema…

Poema…

há em mim um céu
tecido em coração de mãe
uma força, gravada a ferro
por um pai…

há em mim um rio
chorado em mãos de professora
uma árvore, agitada pelo vento
soprado pela catequista…

há em mim um mar
plantado pelos livros
um ser que imagina pensando
que o mundo é, sem o nunca ter sido…

há em mim uma sede
de uma água pintada
por alimentos salgados
que ingeri no coração…

Alberto Cuddel
19/03/2020
14:40
In: Nova poesia de um poeta velho

Memória da alma!

Memória da alma!

Gravo na alma a imagem deste lugar,
Um lugar surpreendido pelo olhar,
Longínquo, perfeito, inacessível
Sonhado, desejado, inverosímil!

Esfera perfeita da ilusão
Não um qualquer lugar
Escanzelado e despido no olhar
Gravo as formas curvas das palavras
Gentilmente dedilhadas ao fundo
Sobre um futuro que anuncias
A vida, ai a vida,
Essa não são apenas borboletas!

Alberto Cuddel
20/05/2017

No Olhar…

No olhar…

Presa na retina, levou consigo a maresia,
Nos lábios a brisa e o sabor salgado a mar,
Despe-se em si o luar, nas cores da poesia,
Nas velas, os sonhos, nobre o acto de amar!

Espelha-se no azul mar preso no teu olhar,
Nas ondulações errantes do amor iluminado,
Nudez do Teu pensamento, sentir sagrado,
Rubescidas em vagas de mar atrevido, Amar!

Vasto vaso, casco sublime anseio querido,
Gestos insinuantes abraçam, porto atrevido,
Teu corpo que frisas nas ondas do receio!

Olhar vago gravado na saudade, na fé e ardor,
A Deus peço, confesso com todo meu amor,
No teu olhar, o meu mar, ondas em devaneio!

Alberto Cuddel
23/05/2017

Revolta-te, não te sentes…

Revolta-te, não te sentes…

Do meu tronco nascem ramos que vos abraçam
Nevoeiros de algodão que pisais nos sonhos
Águas mansas desaguam na foz dos ribeiros
Não cuidem madrugadas salvas que a morte
Reina em beirais esquecidos do tempo ausente
Distantes consciências que vos suportam a almas!
Hoje, o hoje mera consequência de um ontem
Sonhos perdidos no tempo, sonhados por dois
Talvez três, no calor de uma inveja assolapada
As uniões forjam-se no calor da união confluente
Desejos mundanos e carnais que unem os corpos
Almas carentes de uma forte mão que as ampare!
O silêncio? Não como o dos homens que se calam
Mas o silêncio social que tudo levianamente aceita
Quietos, as mãos e os braços baixos, sem revolta
Ignorância infantil que assusta os outros sábios
Esses que ontem formaram para que leccionassem
O amanhã que os vossos avós no passado sonharam
Dando voltas no leito de pinho, esses revoltam-se!
Jamais te sentes, ficar sentado é aceitar a totalidade
Da ignorância egoísta dos que vos regem os dias
Pensa, reflecte nas doutras palavras que nos ecoam
Naquelas que vos aplacam os dias e voz vos dão
Para que o pão e a alegria de ser dia, não vos faltem
Do meu tronco nascem ramos que vos abraçam
Na guerra ou cuidas do ideal, ou morres tentando!

Para que o futuro tenha a esperança de um nascimento!

Frase:
Poesia é: ver o mundo com os olhos da alma e descreve-lo apenas na ponta dos dedos!

Alberto Cuddel
25/05/2017

Nunca me disseste que ia doer tanto

Nunca me disseste que ia doer tanto

Nunca me disseste que ia doer tanto ler o que nunca pensei ler, escutar o que nunca pensei escutar, ver o medo estampado no rosto e o olhar a ferver de raiva, nunca pensei que fosse doer tanto ver tanto desprezo pela vida, ver gestos provocativos, palavras de troça contra quem apenas tenta fazer o melhor, sem dormir, sem descanso, apenas por carregar nos ombros a responsabilidade de todos nós.

Nunca me disseste que ia doer tanto ver os nossos anciãos a correr para comprar pão, a correr para comprar e não ter, por não chegar a tempo, porque antes alguém mais novo chegou primeiro. Nunca pensei que fosse doer tanto ver os nossos anciãos arriscar a vida por uns comprimidos, por um punhado de coisas essenciais à vida.

Nunca me disseste que ia doer tanto ver o desrespeito pelos conselhos, pelas indicações, por olharem apenas para o centro da própria barriga, todos se preocupam apenas com a própria vida, com o próprio emprego, sem prepararem o amanhã, o depois, depois de tudo isto, estaremos vivos?

Nunca me disseste que ia doer tanto ouvir tantas criticas e nada fazerem, pensarem apenas “porque não estou também eu em casa?”, em vez de: “que posso eu fazer para ajudar a superar?”. Nunca me disseste que ia doer tanto saber que depois ninguém irá aprender nada, que depois não irão comprar os produtos de quem se arriscou, para que nada faltasse, porque os campos continuam a ser cultivados, os produtos agrícolas a serem colhidos, as moagens a moer, os padeiros a trabalhar, a recolha do lixo, os transportes, as manutenções, as limpezas e desinfecções, os correios, os bancos, às águas, a companhia de electricidade, as telecomunicações, os meios de comunicação social, a saúde e todo o pessoal afecto, desde a limpeza à manutenção, desde o medico ao enfermeiro, os farmacêuticos, os funcionários das empresas que produzem os fármacos, as forças de segurança, policias, forças armadas, seguranças privados, serviços públicos e do estado. E tantos outros tão necessários…

Nunca me disseste que ia doer tanto escutar tanta critica de quem tão pouco faz… porque no final os que sobrevivermos, ficaremos cá, para aprender com os erros e vivermos aprendendo a fazer melhor.

In: Nunca me disseste que ia doer tanto

Amor Imortal

Amor Imortal

Não me custaria arrastar-me pela vida
Na palidez do rosto, no gélido sangue
Pelo amargo dos teus lábios, e os beijos
Com a lua iluminando-te as formas rosas
Ao chamamento, -vou, sou, pertenço
Amantes eternos, mesmo que o coração
Se imobilize nas tuas mãos, com a morte
Escondendo a nudez da tua alma, e o sangue
Deslizando na lâmina fria do ciúme,
-pertenço-te apenas, na lucidez entorpecida
Do desejo animalescamente humano,
Órfã dos pudores mortais, de uma alma
Trajando o luto, da perda constante
De um amor Imortal!

Alberto Cuddel
25/05/2017

Acreditar

Acreditar

Nem Deus nem os homens…
Quem de nós crê?
Que fé é essa que Deus em nós deposita?

Quem me conhece, se eu de mim nada sei?
Se não me conheço por dentro,
Tão pouco por detrás de mim mesmo?

Creio na minha existência
Pelo espaço que ocupo
E pela sombra em dias de sol,
Quando chove, não crio que exista,
Tão pouco quando de mim choram os olhos…

Às vezes encontro-me
Apenas por instantes
No reflexo do teu doce olhar
Tu que não sendo eu
Reflectes os meus gestos
E o que por ti em mim sinto,
Sim creio nisso, nisso e no amor
Creio piamente no amor que tenho
E no amor que dou…

Alberto Cuddel
26/05/2017

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