Onde nasci
Martelando-me os ouvidos segue o compasso, velocidade constante, lá vai o comboio, o que me trás, que ontem me levou, e lá vai ele serpenteando as curvas do rio, prateando o que é de ouro, no reflexo do sol da manhã. Rio Douro, corres antes que me leve. No apeadeiro curvado à direita, ninguém, hoje apenas as ervas secas se erguem à minha chegada, ontem cheio de vida de gentes, de vozes, risos das crianças, o meu riso, e a vontade de correr os 20 metros que me separam do rio, apenas para olhar o horizonte e sonhar. A viagem, subia ao meu íntimo adivinha-se longa, eu comungava silenciosamente comigo nestas memórias, como se a cada passo, sentisse os cheiros, do pão acabado de cozer, do mosto no lagar, da lenha queimada. Os sons do campo, das ervas, dos bichos, dos homens e mulheres da lavoura. Os sabores, da fruta madura, das uvas, das castanhas, dos fumeiros do inverno, da cevada com broa acabada de fazer. Ao longe o sino da igreja que ecoa no vale, o caminho de terra batida pelejado de pedras que serpenteia o monte, escadas e “escaleiras” que fazem transpor os socalcos, de uma vinha deitada ao abandono. De entre todos os lugares da freguesia, a Granja, lugar onde nasci, mas é entre Barreiros e Portinha, entre a paternidade e a maternidade, que as memórias do caminho, da infância, fazem-me ser quem sou! Mesmo avistando a terra neste cantinho plantado, tu Tomé, não acreditastes, tiveste que ver as suas mãos trespassadas, e meter a mão no seu lado para que acreditasses. Santo padroeiro de gente crente, de gente de fé, e as memórias, da catequese nas “escaleiras”, da “casa do padre”, da água da fonte, de ver nascer o sol no campo pela mão da minha avó. Esta não é a minha terra, esta é a terra em que nasci, é a terra que me fez, esta terra também sou eu. Memórias da minha infância, São Tomé de Covelas, Baião.
Alberto Cuddel
Oh! Minha terra, onde eu nasci…- MP edições- 2017 – ISBN 978-989-691-590-2
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