Rabiscos da busca eterna…

Rabiscos da busca eterna…

palavras obrigatórias
(gesto, sombras, hoje, bocas, breves, beijo, asas, chicotes, instante, terra, pregão, nosso)

há nesse pregão atirado ao acaso
uma fome de bocas, que se abrem
como se as sombras das palavras
nesse gesto incontido lhes saciasse a alma
são breves esses dizeres eclécticos
essas verdades furtivas que se estendem
e fogem de asas abertas a um mar nosso
ali, depois de ontem ou num hoje pedinte…

por um instante calo-me
[…]
é breve o silêncio que me corta o corpo
como chicotes arremessados por mãos estéreis
judas também o deu… um ósculo, um beijo
uma traição premeditada trazida à terra…
estava escrita, ele não a escolheu, foi escolhido…

escuto…
[…]
há esse silêncio que nos condena…
essa verdade cavernosa que nos come por dentro
a consciência…
e o olhar melancólico de uma mão estendida
e a minha, encolhida, vazia…
mas… no meu silêncio, arremessada como uma pedra…
atiro…
– desculpa, perdoa-me, nada tenho, além das palavras que me deram…

Alberto Cuddel
13º Desafio Livro Aberto 2021

15/07/2021
1:00
Alma nova, poema esquecido – XI

A vida que desconstruímos

A vida que desconstruímos

a vida é um caminho rustico sem destino traçado
e passamos pelo moinho, cruzamos pontes e rios
e segue-nos o céu, os dias e as noites, e vamos
apenas pelo ter de ir, há quem nos empurre
em direção ao depois e ao precipício, ali, diante dos pés…

[…]
tenho sonhado muito, por entre esse arvoredo dos dias
de sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer,
e esquecer não pesa e é um sono
sem sonhos em que estamos despertos.
em sonhos conseguimos tudo,
até fazer chover no deserto, ou rosas no teu regaço…

esse caminho que desconstruímos na travessia das dunas
nessas que se movem na noite ao sabor dos ventos
há um absurdo nesta vida real, onde sonhamos o desejo
nessa complexidade das relações humanas, na linguística
nesse querer negativo, nessa afirmação do não…
nesse jogo do prazer que é sem ser, sendo que não é…

e sonho, e sonhamos, e vivemos e acertamos
erramos, e caímos… e morremos, felizes por ter sonhado o impossível…
Sendo que ainda ontem nos amamos, ali junto ao vale
Depois do pinheiro hirto, mesmo antes da curva…
Lembras-te?… ou teríamos apenas sonhado de mão dada…

Alberto Cuddel
14/07/2021
09:15
Alma nova, poema esquecido – X

Imperfeição humana!…

Imperfeição humana!…

há nessa imperfeição humana
uma raiva incontida de ser duna
manobrada pelo vento como tendência
de ser vítima chorosa do sistema
como cana agitada pela brisa…

no caminho vistoso do campo
correm as nuvens carregadas
lágrimas caídas e choradas
de uma vida dorida e sem tempo

nessa imperfeição humana que é viver
clareiras de luz que nos habitam a alma
há esse mar de incerteza que nos acomoda
mas que nos cativa perfume de rosa…
lutam os reclusos por um beijo
conquista firmada da fertilidade
um luar, uma viagem às estrelas…
ó imperfeita capacidade humana
guerreira por um orgasmo…
entre o prazer de acordar
e um orgulho ferido…
o macho imperfeito prefere matar…

advenha-nos o deserto,
a fome do incerto e a partilha…
entre a água à mingua
e um madeiro que nos entalha os dentes…
é na carência que a imperfeição humana se esbate…
ou se unem e vencem… ou morrem matando…

Alberto Cuddel
13/07/2021
10:41
Alma nova, poema esquecido – IX

Às vezes em conversas comigo mesmo

Às vezes em conversas comigo mesmo

quantas vezes eu mesmo, que rio de tais seduções da distracção,
me encontro supondo que seria bom ser uma celebridade,
que seria agradável ser paparicado, que seria colorido ser magistral
mas não consigo visionar-me nesses papéis de píncaro
senão com uma gargalhada do outro que eu imagino sempre próximo…

assim sou eu… que me aplaudo mentalmente nos versos do romantismo
mas que me escondo por detrás das vidraças da gramática,
que evito olhar no espelho esta figura ridícula e anafada
mas que olha o mundo lá fora com uma timidez colossal
um dia escreverei o poema perfeito, o livro prefeito
desses que irão estar por dezenas de anos nas prateleiras
de enormes bibliotecas, que causarão espanto
quando o seu proprietário pronuncia o seu nome…
um dia escreverei esse livro, mas terá apenas título…
não, não quero que o meu nome o conspurque, que o diminua
será apenas livro, sem poeta…

depois olho à volta, e vejo… e levanto-me apenas para sentar de novo
e escrevo…
[escrevo… estupidamente…]
invento novas realidades por palavras conhecidas,
às vezes chove lá lora, mas invento dias de sol, e praias vazias
passeio sozinho por entre a multidão da cidade que não me vê
e detenho-me olhando duas tias que sentadas numa esplanada vazia tomam chá
invento as suas histórias, tão reais…
as suas vidas pecaminosas de luxuria carregadas de amores e amantes…
desses que se esgueiram pela porta dos fundos…

despois chego cansado do passeio… eu que nunca me levantei…
mas inventei o mundo… esse onde tantas vezes vivo…
se queria ser uma celebridade? como posso querer ser?
o que realmente sou em mim…

Alberto Cuddel
23/06/2021
19:00
Alma nova, poema esquecido – VIII

De quem sou, para onde vou…

De quem sou, para onde vou…

que vos importa quem sou, quem fui
de onde vim, onde estou, para onde vou…

se meramente quero ser árvore
não quero ir a lugar algum
sair de onde estou, partir
quero apenas estar, talvez seja isso
estar…

que venham as estações e os pássaros
que me caiam as folhas, que me colham as nozes
que me perfurem as entranhas
que venham os esquilos, os insectos
eu estou aqui, e aqui sei quem sou…

quem venham os fogos,
que me queimem as cascas
eu viverei noutro lugar…
sim quero ser árvore e estar…
ou meramente raiz, ou pedra
ser desgastada pelo tempo…
mas quero estar…

cansa-me mormente o ser
e essa vontade férrea de viver
de ser melhor, de mudar…
eu não quero mudar…
quero estar, será assim tão difícil?
apenas existir… apenas esperar?
Porque o tempo vem, quando tem de vir
Sem questões, sem dúvidas…
Apenas por que é o seu tempo…

Alberto Cuddel
23/06/2021
18:00
Alma nova, poema esquecido – VII

Alma rasgada pelos espinhos da vida

Alma rasgada pelos espinhos da vida

cravei a fogo em lapide inclusa
rip, aqui jaz um poeta sem versos…

esperei como quem espera o tempo que basta
como se o amanhã fosse agora e já não houvesse segredos
as árvores agitavam-se adivinhando o futuro
e partiam as andorinhas… as cegonhas, ai as cegonhas
e as garças e os patos… todos partiam…
e eu? e tu… ficamos ali, indiferentes ao passado que mudou
a um presente que não existe, a um futuro perdido…

e calaram-se os versos…
teceram uma coroa com os silêncios
e coroaram-no de espinhos…
as palavras trespassavam-lhe a carne
as metáforas, queimavam-lhe a pele
e as ironias e hipérboles secavam-lhe a garganta…
pelas três da tarde, chegaram-lhe à boca um poema,
a custo declamou um verso e expirou…

a biblioteca adormeceu, rasgada ao meio
entre a dor da perda, e a certeza de viver nela tudo o que sobra…
a palavra ressuscitou o poeta…

Alberto Cuddel
11/06/2021
03:00
Alma nova, poema esquecido – III

Nessa arte de ir… livremente…

Nessa arte de ir… livremente…

“assaltam-me o espanto e a dúvida
nesta guerra que me roubou a paz
nos diligentes caminhos da loucura
onde a vida é um mero jogo de palavras…”

E fui…
Olhei-te no olhar quente que te erradia da alma,
Nesse doce amendoado gesto de ver…
E beijamo-nos, na boca, em silencio,
Sem palavras, sem gestos, apenas assim…
Porque sim… porque o corpo, a alma, clama…

Dispo-te… na pressa de te possuir a alma…
Quebro todas as barreiras, todos os silêncios
Bloqueio-te os gestos, amarro-te… definitivamente a mim…
És-me, em mim, inteira… toda, por toda tu…
Percorro-te nos lábios, sabes-me… degluto-te…
Paramos o tempo, paramos… imoveis…
Eu em ti, tu em mim, e somos…
E explodimos, quebramos todos os silêncios…
E vamos, e vimos, e somos, juntos…
Sempre juntos… sempre… nas mãos…
Mãos juntas… sempre…
E regressamos, e partimos
Estamos vivos, somos vivos
E tudo é nosso, tudo é agora…
Li-te em braille…
Dedilhei todo o teu desejo…
E nos teus olhos, vi o fogo…
Esse que nos alimenta a alma…
E somos… agora… encontro…
Estás em mim…
Inundas-me os sentidos…
Embriagas-me a alma…
És-me adição…
Vida… prazer…

Tiago Paixão
25/04/2024

afúriadapaixão

Nevoeiro entre o luar…

Nevoeiro entre o luar…

há entre mim e o mundo uma neblina
essa que impede que o mundo me veja
essa que o luar da alma oculta
e a alma brilha, ténue e cintilante, brilha
mas o mundo? o mundo apenas me vê…

a existência é a expressão intelectual da emoção,
distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção.
o que temos, ou ousamos, ou conseguimos,
podemos possuí-lo em sonho, e fazê-lo real
nas mãos, nos lábios, nos dedos, nos corpos
e é com esse sonho que fazemos arte,
e da arte, vida, consumando-a…

nesse nevoeiro que vos cega o olhar
sentem… suspeitam da existência
e tudo é… pleno acto de fé…
um sussurro em surdina
de tudo o que pode apenas ser
porque somos… “segredo” da arte de amar…

nevoeiro entre um luar… e um novo raiar…

António Alberto Teixeira de Sousa
24/03/2024
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

Antes da luz

Antes da luz

Antes da vida era eu em terra escrava
Rocha rugosa, escurente suor, e força
Na era das trevas, a ignorância não iluminava
Depois o fogo, aquecida alma
Mão estendida e um pedaço de pão…
Palavra, voz, grunhido, sorriso e morre a fome…

E tudo de mim dei, do que sabia e estudei
Do que tudo tinha e do que ganhei…
Dei-me, dou-me… de meu nada tenho
Em mim nada sou, sou em vós
Quando em mim não existir memória…

Em verdade vos digo,
Quem de vós me conhece,
Possui-me como seu,
Sendo eu nele, enquanto persistir memória…

António Alberto Teixeira de Sousa
19/03/2024
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

A corrupção de um abraço vazio ou a falta de um beijo

A corrupção de um abraço vazio ou a falta de um beijo

Sejam os abraços cruzamentos
Batimentos musculares que se complementam
Sejam peitos abertos à corrupção da palavra
Apertem-se pela erosão do vento
Brisas da revolta em pensamento fechado…

Gravem-se em pedra as pegadas dadas
Em passos no mesmo sentido
Movam-se as areias e as folhas
Sequem as almas chorosas no beijo
Partam de mão dada – vida…

Humedeçam os lábios
Profiram construções
Enlaces, uniões
Cravem os dentes na discórdia
Abracem a maré que nos arrasta…

Olhem o horizonte
Procurem-se lá…
Não no asfalto negro atrás de vós
Não nas pegadas na areia
Não na solidão de um abraço vazio
Mas lá, lá longe onde desejam estar…
Na corrupção do passado
Apenas vive água e cloreto de sódio
Um rosto triste e um corpo vazio e amargurado…
As árvores morrem de pé, por não poderem partir…

Alberto Cuddel
24/01/2019
17:55

Barulho, todos os gritos e todo o ruido, meu silêncio…

Barulho, todos os gritos e todo o ruido, meu silêncio…

…. apenas desejava que esse tudo me fosse cheio, assim como um copo de água insipida, que não satisfaz, mas mata a sede…

já tive medo do barulho estridente da realidade que me olhava de frente… que me acobardava no medo do julgamento dos que pensavam saber algo que nunca lhes houvera dito… e condenavam-me baixinho por entre os dentes podes e os pensamentos mesquinhos de homens pequeninos…

mas a febre inundou-me a alma, arrastou-me cobardemente doente para o leito da cama… e eu amava-a… a febre cura por dentro, molda-nos o corpo, instiga-nos a transpiração… e eu? eu amava cada segundo daquela doença… cada minuto dessa paixão, essa doença que me cura por dentro libertando-me o corpo… não… não… não foi um vírus, não, não, não foi bactéria… mas sim a cura do mundo… MULHER…

barulho, todos os gritos e todo o ruido, o meu silêncio… o meu medo, a minha ausência, a minha sofreguidão, a minha doença, curada numa febre… paixão…

hoje continuo o tratamento, em goles pequenos, intensos, concisos, robustos, loucos, molhados, rebolados, mexidos, movimentados, lambidos, chupados, carinhosos, afectuosos, contemplativos, beijados, transpirados, gozados… a o silêncio tem voz… a sua voz… e a minha…

António Alberto Teixeira de Sousa

20/12/2023

In: Poemas de nada que se perdem na calçada

nascem-te versos desse útero fértil

nascem-te versos desse útero fértil
por entre nuvens de algodão
em marés cristalinas de urze tenra
nesse lilás és… plenamente vida…

fazes-te fome no meu alimento
e sede no meu sangue
fazes-te palavra no meu silencio
e gemido contido no meu corpo…

és… a energia da minha alma
conheço-te no electrocardiograma do meu pulso
e tu? que tantas vezes eu…
graça plena da oração fervorosa
reflexão da minha existência

teus dedos minhas mãos
teus pés minha vontade de caminhar
teus lábios o meu beijo
teus seios a minha entrega…

nascem-te versos desse útero fértil
por entre nuvens de algodão
e eu existo… homem, poeta…

António Alberto Teixeira de Sousa
03/12/2023
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

Odorífico perfume…

Odorífico perfume…

nasce-te no peito o êxtase das minhas mãos
no semblante o perfume de rosas
nesse aninhar de onde te sorvo o odor
vivo como ondas e passos soltos
cânticos soltos na língua, mingua do tempo
orgasmos mar em terra santa, pecados gemidos…

morrem-me os leitos vazios na saudade
e todas as candeias que se apagam na espera
as tulipas… choram fechadas, e o cálice?
o cálice em pranto clama pelo soro da vida…

odorífico perfume o nosso, impregnado na alma e no beijo
a sim seja o amor… o querer e o desejo…
gemido nos lábios escorrente… odorífica saudade nos espera…
que nos nasçam as rosas no peito… e a verdade nos dedos…

António Alberto Teixeira de Sousa
27/11/2023
In: Poemas de nada que se perdem na calçada

Tenho saudades… das noites, das manhãs… do sempre e do nunca…

Tenho saudades… das noites, das manhãs… do sempre e do nunca…

tenho saudades de ti e de nós
da roupa esquecida no chão
do beijo interminável
do silêncio húmido dos nossos lábios

tenho saudades do sonho, da promessa
do que foi e do que teria sido
do acordar junto, do adormecer exausto
tenho saudades do que ainda nem foi…
tenho saudades dos nossos orgasmos
dos sentidos, dos gemidos em surdina
e dos que ainda apenas imaginamos…

tenho saudades de te despir a alma no beijo
o corpo nos dedos, peça a peça, a cada palavras
a cada gemido consentido…
tenho saudades de ti e de mim, de nós, de mim em ti…

Tenho saudades dos teus seios, dos beijos na nuca
De te abraçar de conchinha… de te sentir o corpo, a pele…
Tenho saudades de nós… do que fomos, do que somos e sonhamos…

Quero-te…
Loucamente quero-te…
Hoje, amanhã, ou depois…
Não importa quando, onde, como…
Mas sei que te quero…

Tiago Paixão
20:37 19/12/2020
a fúria da saudade

Prende-me a ti…

Prende-me a ti…

algema-me, tem-me ali…
diante de ti, à mercê dos teus caprichos
despe-me dos dias e da vida
despe-me o corpo, percorre-me a alma…

venda-me… toca-me, sente-me
sente o meu pulsar de desejo
a minha vontade de te ter
de te possuir por inteira
bebe-me, bebe-me longamente
sem pressas, sem mansidão
como que a saborear a memória
nessa firmeza fálica do querer que me impões…
bebe-me…

cavalga em mim noite fora
como numa corrida de longa distância…
em trote firme, mas sem que se perca o folego…
desprende-me, desvenda-me…
deixa que te possua…
porque a alma essa
já é eternamente tua…
vem-te… vem-te comigo
em mim…

Tiago Paixão
03:34 26/12/2020
a fúria da saudade

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