Há tantos segredos de mim e dos meus eus que gostaria de escrever, tantas verdades e sonhos de outras realidades, tantas brisas sentidas no rosto fechado entre quatro paredes, tantas viagens feitas sentado à secretaria… Tanto a dizer das vitórias sentidas na alma mas sem palavras ou festejos, tantas derrotas festejadas, tantos primeiros prémios como se fossem apenas mais um… Tantos passeios de mão dada em praias desertas, e pendiam-me os braços na solidão da serra… Tantos homicídios já desejados e tantos suicídios já ensaiados…
Quantas vezes já chorei a chegada tardia de um marido? Ou a amante que nunca me apareceu no encontro? Quantas vezes vi os meus filhos estendidos no chão ensanguentados, ou a mão bramando estridente a queda de um cinto nos costados… Quantas vezes perdi a minha mãe?
Quantas vezes perdi o chão e o céu desabou sob os meus cabelos brancos? E os dejectos dos canídeos que ninguém recolheu presos nos sapatos? Ou os sapadores desesperados abatendo a floresta, ou um rio que deixou de correr para o mar? Quantas fodas sonhadas repletas de orgasmos ficaram por dar? Quanto amor se perdeu no ar?
Tenho tantos segredos, sonhos, mentiras e sentimentos, e sintomas também… Quantas horas, semanas minutos ficaram por viver?
Tudo foi, tudo é…
Olho o mundo, com os mesmos olhos que sentem, com as mesmas mãos que erguem, com os mesmos pés que me levam, com os mesmos ouvidos que escutam… Olho o mundo e não o conheço, o mundo vive depressa de mais, com distâncias a mais, com coisas a mais, com guerras a mais, com sacrifícios a mais, com derrotas a mais, e tanto amor de menos…
Queremos sempre o que não temos, ir onde não chegamos, provar o que nunca bebemos, ganhar o que nunca ganhámos, trabalhamos duro para ter, e nada do que temos nos serve, e somos o quê nesta liberdade? Chamam-lhe liberdade a esta escrevatura do desejo, um labirinto ingreme de paredes altas cheias de regras e armadilhas…
Trepo o muro, e olho esse mundo disforme de formigas obreiras, seguindo carreiros, percursos, sacrificando-se pela a sua “rainha”, essa ideia de posse, de desejo, de regras que foi implantada no cérebro minúsculo…
Eu na inverdade dos meus eus, sou livre, dono e senhor da minha realidade, esperei, claro que sim, por quem eu mesmo atrasei, matei? Verdade, quem eu mesmo criei. Porque em mim? Em mim ninguém manda… E eu isolo-me desta realidade pequena, criando universos, onde sou tudo, sem que contudo deixe de ser este nada de matéria que ainda assim me prende…
Vivamos com menos, sejamos mais… Mais tempo, mais vontade, mais certeiros, mais calor, mais paixão, mais amor, entendamos a mão, não pela retribuição, mas porque apenas podemos…
António Alberto Teixeira de Sousa
26/07/2022

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