Onde podemos amar por extenso?

Onde podemos amar por extenso?

há um nada de concreto
nestas eloquências passadas e futuras
um pequeno quê na verdade com que amo
nesse local certo em que existes
no tempo em que estamos
como se nunca houvesse outra forma de estar
outra forma de existir e aí juntos apenas fossemos
a verdade com que somos…

amar não é apenas dádiva ou gesto,
tão pouco chega a ser palavra
amar é uma forma de existência terrena
uma forma de perpetuação da correspondência
uma forma de divindade do corpo…

onde podemos amar por extenso?
não sei, não me preocupa a definição
talvez seja céu, olimpo, paraíso
ou esse azul-brilhante dos dias
ou no negro perfurado pelas estrelas
não sei onde, mas sei que essa extensividade,
esse amor por definir, apenas faz sentido a dois…
apenas faz sentido ali, enquanto damos existência,
enquanto nos damos…

Alberto Cuddel
26/02/2020
16:03
In: Nova poesia de um poeta velho

Desse amor tão testamental

Desse amor tão testamental

“Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
Não eras minha amante…
Eras o Universo…”
Fernando Pessoa

submerges no meu peito como tudo
bate o músculo da vida por ti mesma
quantas vezes te sinto na alma
como um gesto de força, presença…

sinto nas mãos as palavras
esses dizeres por ti proferidos
aradas sejam as safras que lavras
dona dos gestos cometidos…

sejamos testamento das horas
do corpo que louco beijei
nas ausências que ainda choras
vive também o tempo que sonhei…

não nos sonhamos
existimos realmente hoje
as tuas mãos – gestos – honestidade
no meu beijo – palavra – verdade
deste amor que dói
dói por ser
por existir
sem dor não existiria amor
e eu, eu não poderia – senti-lo
porque amo, apenas por isso,
por amar…
e sem amor,
não seria o universo vazio?

Alberto Cuddel
24/02/2020
22:00
In: Nova poesia de um poeta velho

Vidro fosco da janela

Vidro fosco da janela

a vida corria lá fora da janela
porta fechada saindo por ela
a rua deserta
destino morto
vida suspensa, cabos bambos
e toca sem destino a chamada urgente
não é bicho, não é mato, é gente…

a morte à porta
o vento de leste
uma névoa solta
as notícias que leste
um vidro baço…
fechado, emoldurado na janela…
um olhar perdido
braços caídos
dia sem sentido…

Alberto Cuddel
20/02/2020
02:45
In: Nova poesia de um poeta velho

A Vida

A vida

As mãos e os joelhos, um avanço
Passo, seguido de passos sós
Uma mão só que se une a outra mão só
Passos emparelhados rumo a um mesmo destino…

Alberto Cuddel

31-05-2017

Poesia

Poesia

Palavras soltas onde me deito e me levanto
Onde chora minh’alma elevado pranto
No tudo que no meio seio ainda retenho
Palavras soltas que do poeta hoje leio!

O triste fado sentido
Verso da alma parido
Grito de saudade, clamor
Dor da ausência e amor!

Canto da fome caída na rua
Homens sofridos e tristes
Alma despida assim nua
Punhos erguidos em riste!

Ó poesia calada e desenhada na noite
Versos e estrofes onde me escravizei
Que me atinge o peito forte acoite
Palavras que nascem, dom que aceitei!

Os campos e jardins nos teus olhos,
Floridas névoas caídas nas montanhas,
O mar que engole nem sei o quê;
Amanhecer no abraço das tuas manhas,
Sonho perdido que ontem não se vê!

Ó Deuses, instigadores das guerras
Cantam nobres feitos das tuas serras
Os arautos que se alevantam das terras
E os que se libertam das tuas garras!

Alma minha gentil, em ti me encontro
Em ti poesia, ainda hoje me perco…

Alberto Cuddel
01-06-2017

Recebes-me…

Recebes-me…

Esperas-me como quem sente,
Saudade dormente, despida de pudor…
De alma nua e corpo descoberto
Amas-me, como nunca o havias feito
Saudade que dói, corpo que fervilha
Alfa, dona da matilha…

Arte nova de mulher,
Desprovida de vergonha, como se quer
Amas-me, conquistas-me, possui-me
Inteiro pela visão dúbia do tesão
Amor, essa paixão que me prende
Força de vontade que me vence
Ali, mesmo ali, longe do leito
De tudo, de nada, aberto o peito…
Eu, alfa, certo, confirmo
Sou, somos, existimos
Orgasmos nos confirmam
Na militância do corpo
Fundimos a alma até à exaustão…
Corpos fumegam cansados…
Amamo-nos, uma e outra vez…
Pela noite dentro, pelo dia
Pela eternidade da vida
Até que a morte nos arranque para si…

Tiago Paixão
#Afúriadasaudade
21-02-2020

Deste quadro imaginário que vejo

Deste quadro imaginário que vejo

No meu costume de tecer enredo de fantasia.
vejo-as, e o valor delas para mim
está só em serem vistas depois de escritas
antes mesmo de as sonhar…
tudo mais, que lhes acrescentasse,
diminui-las-ia, porque diminuiria,
por assim dizer, a sua «realidade».

da espiritualidade com que nasce,
nasce porque a sentes, porque existe por ti
nessa brisa que te afaga o rosto,
o sal da areia que te fustiga o corpo,
no tremor das tuas pernas
na lágrima que te escorre pela face

o falso repugna-me, porque o falso não se sente
e se o sentes, como é falsa a saudade que canto?
como é falsa a dor que presentes a cada beijo de despedida
como ser falso o orgasmo que te nasce do ventre,
nada existe de falso nos sonhos
as palavras não mentem…

havia uma tela na parede uma figura esguia, envelhecida
desbotada pelo tempo, e chamava, clamava, pedia
e a parede, a parede-vazia…

Alberto Cuddel
18/02/2020
02:45
In: Nova poesia de um poeta velho

Tempo ou a saudade

Tempo ou a saudade

tudo o que há de disperso e duro na minha sensibilidade
vem da ausência desse calor e da saudade inútil
dos beijos de que me não lembro dados na infância
acordei sempre contra essa carência de sonho
e a minha mãe morreu sem me despedir…

ah, é a saudade do outro que eu poderia ter sido
que pela educação que me dispersa e sobressalta
quem outro seria eu se me tivessem dado carinho
se houvesse nascido de outro ventre
noutro lugar diferente com outra fé
e do que vem desse ventre até aos beijos
de que amor me é dado a conhecer?

quem sou ou serei do que me fiz?
com que vigor da alma sozinha
com que crença nas palavras
fiz página sobre página reclusa,
vivendo sílaba a sílaba a magia do engano
não do que escrevia,
mas do que supus que escrevi…
e a minha mãe, partiu…

Alberto Cuddel
11/02/2020
11:30
In: Nova poesia de um poeta velho

Penso às vezes com parcimónia

Penso às vezes com parcimónia

penso às vezes com parcimónia na possibilidade futura
essa arte de pensar a linha recta de uma geografia
uma vã e fútil da consciência de nós próprios

não há nada que nos emocione mais que pensar
pensar sem saber no que os outros pensam
daquilo que fomos e nos mostramos

há uma dimensão falsa de alma querendo corpo
e há talvez outras dimensões onde vivemos outras coisas, coisas desiguais tão iguais aos outros que somos
apraz-me às vezes deixar de pensar
de possuir o mundo pela meditação do inútil
dessa imaginação fálica com que perscruto a feminilidade
da vã existência,
numa busca pela multiplicação
da sobrevivência da humanidade tão egoisticamente
prazerosa ao individualismo do homem…

às vezes penso com parcimónia,
neste pensamento que desgasta
e que nada me vale a vida a não ser por morte…

Alberto Cuddel
10/02/2020
12:15
In: Nova poesia de um poeta velho

Sonho dos indecisos

Sonho dos indecisos

se eu conseguisse ver
o que de mim serei um dia
que tua voz fosse magia
que me guiasse às leis eternas
que matasse em mim o sofrimento da noite eterna
sonho mares na alvorada, e ventos elísios
no voo bailado das velas erguidas
e toda a ave chora
o ninho que, uma vez, abandonou…
porquê? se às leis eternas obedece…
porque é triste uma fonte que secou?
e o sol quando anoitece?
neste sonho dos indecisos
rasgam-se as vestes da ilusão
a morte já não assiste as palavras
e a dor é uma mera ilusão do sofrimento
a vida prosseguirá, porque assim é
porque assim será,
o filho que diante da mãe se despede
por um sonho nunca idealizado…

Alberto Cuddel
09/02/2020
08:45
In: Nova poesia de um poeta velho

Arte ou a ilusão de sonhar

Arte ou a ilusão de sonhar

o que não temos, ou não ousamos,
ou não conseguimos,
podemos possuí-lo em sonho,
é com esse sonho que fazemos arte.

nessa brancura da alma, ousamos o caminho
alheados dos espinhos que a realidade nos crava
prosseguimos descalços sem medo dos pregos
viver dói… e há-de doer e moer a alma
profanando o desejo e a vontade de ser
deixamos de agir pelo medo de perder?

continuamos a pintar arco-íris em dias de sol
regatos vivos em pleno verão
sem peixes secos pelo sol, colhemos maças…

o sonho é a arte de idealizar a impossibilidade
até que da arte se faz possível, e a realidade acontece…
assim, naturalmente, como se do nada
em pleno março, sem folhas, florissem as amendoeiras…

Alberto Cuddel
05/02/2020
06:00
In: Nova poesia de um poeta velho

Ah o sonho martelado no tempo da terra que é pouca.

Ah o sonho martelado no tempo da terra que é pouca.

nesse ranger metálico que avança
acordo estremunhado das noites
sonho de criança perdida no natal
um pouca terra, uma esperança…

nos vagões desgovernado ócio
a vontade férrea, o escalar da madeira
um dia de semana, um dia de feira
a morte que espreita, um sócio…

e o sonho de terra que é pouca
uma ilha perdida no mar
as nuvens, os olhos a vê-las passar…

a esperança adormeceu
banhada em tons de prata…
pelos dourados da máquina que avança…

Alberto Cuddel
01/02/2020
20:54
In: Nova poesia de um poeta velho

Ah se eu tivesse forças para desertar

Ah se eu tivesse forças para desertar

Ah se eu tivesse forças
As palavras seriam troncos
E ramos, sustentadas por raízes fortes
Seria fustigado pelo vento
Mas morreria de pé…

Se eu desertasse como as folhas
Voaria ao som do vento
Partiria sem ter tempo
E morreria no chão
Ali, pisado sem memória do que fui
Verde, frágil, amarelado, dourado
E livre, pro uma fracção de tempo
Por um efémero momento
Feliz…

Ah se eu tivesse forças para desertar
Arrancava-me do chão e partia
Pelo deserto árido, onde me mora o oásis…
E aí… aí me enterraria no chão e podia morrer feliz…
Ah se eu tivesse forças para desertar…
Não seria poeta, mas um homem qualquer…
Sem palavras e sem memória…

Alberto Cuddel
01/02/2020
19:19
In: Nova poesia de um poeta velho

A luta pelo supérfluo.

A luta pelo supérfluo.

lutamos pelo tempo que não temos
pelo beijo que não demos
pelo abraço que perdemos
pelo vento que não sentimos
pelos que morreram sem ter nascido…

lutamos pelo supérfluo da vida
pelo passado que não podemos mudar
pelo futuro que nunca sabemos será assim
e deixamos que o presente aconteça,
ali, mesmo ali diante dos lábios fechados
dos braços caídos, e dos silêncios,
dessas palavras não ditas…

na luta pelo supérfluo
esquecemos a essência da vida
o sol no rosto, o toque da pele
aquela paisagem que nos deslumbra
aquele beijo, ai… o beijo…
um “amo-te” fora de tempo
um até logo atirado à pressa…
na luta pelo supérfluo esquecemos…
de viver agora, de fazer do já um poema
de fazer da vida uma festa…
nem que tudo se resuma a um mero olhar…

Alberto Cuddel
31/01/2020
17:22
In: Nova poesia de um poeta velho

Esperança desse medo de ficar

Esperança desse medo de ficar

deitou-se no horizonte o medo
asas da alma que te elevam
sem que partas a lugar algum
bosques de silêncio onde te fitam os olhos
ribeiros mansos que correm
por ente avencas que se agitam, uma sombra,
olha comigo o rio, de mão dada
olha, não digas nada, espera a foz, esse desaguar
essa vontade de ser, de estar…

nas escaleiras solitárias
essa esperança,
esse medo de ficar,
o ir, o chegar…
o não for e o não estar…
e o existir ali, mesmo ali, na tua mão
de mão dada, olhando o rio…

Alberto Cuddel
27/01/2020
03:23
In: Nova poesia de um poeta velho

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