Negro despertar

Negro despertar

Do sonho que desperto
Pesadelo da realidade
Queda ansiosa em mim
Dura consciência de ti
És e não existes no ser
Visão deturpada do querer
Asas quebradas não voam
Não se elevam, caem esquecidas
Agrilhoada em ti, desprezas-me
Como um ser disforme
Horrivelmente usável
Descartável, esquecível
Desprezivelmente violável
Desperto usado sem nome
Apenas uma noite, palavras
Foi bom, apenas foi
Passado, o presente não existe
O futuro, esse já foi esquecido!
Desperto e caio,
Na realidade
Que eu não sou
Não existo
Por não me saberes
Existir!

Sírio de Andrade®
In: Antologia Depressiva

08/10/2015

(Des)ama-te

(Des)ama-te

Seguem o comboio em direcção ao sul
Alma volátil que nos subtrai
Descansemos do sono, dos sonhos
Adormecimento egoísta dos membros
Rasguem-se os pneus, estrada quente
Chuva nas montanhas, rios de musgo
Alma minha natural, corre por campos verdejantes

Ó sorte madrasta que se esvai
A cada batida do musculo da vida
Se por Tróia ledo engano
Também por ambição a pobreza
Perda do tudo que tinha na mão
Já não me passam os anos no rosto
A noite vem, cambaleando a cada sol-posto…

(des)ama-te e vive, como se o amanhã fosse hoje…

Alberto Cuddel

Fantasmas

Fantasmas

Reescrevo longa considerações,
Angustias veladas perdidas no tempo,
Aninhado em mim, querendo partir,
Escuros lugares de onde quero fugir!

Há trevas que me envolvem, fantasmas,
Desoladores pensamentos, pesadelos,
Triste passado, sempre e sempre recordado,
Na fuga que quero, sair de mim esquece-los!

Há vontade de mim que me consome,
Recolhe em mim no interior o sofrimento,
Que a ti nada te turbe, neste feliz momento!

Quero dar, sem sair, extrair o negro ser,
Triste e enfadonho, frio e calculista,
Que a capa exterior recolhe cá dentro!

Sou, sem ser, o que vês e não crês!

By Sírio de Andrade®
In: Antologia Depressiva

04/10/2015

Numerosas eram…

Numerosas eram…

as areias do deserto
os filhos de Abraão
(os filhos dos deuses)
as gotas da chuva que caem…

palavras arremessadas
distorcida e amarrotadas
insultos-balão, de ar-água
verdades caladas e mentira ditas…

numerosas eram
as mãos que te ergueram
os nomes que se esqueceram
as lições aprendidas
e as graças que ficaram por louvar…

numerosos eram…
os beijos, que nunca foram dados
os abraços apertados
e os passos que me levam…

Alberto Cuddel

Acreditei ser nada quando ainda estava viva…

Acreditei ser nada quando ainda estava viva…

Doía-me a alma bem mais que o corpo…

Culpada, culpada, culpada
Em tudo tinha culpa
Em nada acertava…
Eu? Eu não me amava…

Nulo eras, e a mim me culpavas
E eu ingénua acreditava
Culpados eram os filhos
A sogra, os amigos-amantes inventados
E tu? Nulo, nem homem eras…

Descobri-me doente,
Amar não era sentir
Amar era uma dependência doentia
E amei-me, assim do nada
Olhando a morte de frente
Amei-me a mim, e os filhos gerados
Ganhei coragem onde existia cobardia
Pior que nada, alguma coisa é melhor
Que o nada que me dás, nas marca deixadas na alma
Nos vergões da vergonha cravados no corpo…
Amei-me onde já nada havia a amar…
Parti e acordei viva…
Ainda me persegues
Mas eu, eu já não tenho medo…
Porque entre o nada e isto,
Apenas existo…

#poeticamortem
@Suicídio poético
24/07/2019

Há uma base na aragem que passa

Há uma base na aragem que passa

corre o céu cinzento
por entre a derrota do querer
fogo de mar no luar de Agosto 
nesse arte de se dar vendida
por onde passa o desejo animal
homem negro de negro ser
rasgo de falsidade na carteira rota
uma entrada de sol, em lua que bate na janela
um carro fugido, uma estrada comprida
um Tejo que corre, um relógio que não pára
uma avenida cheia, com destino a lado nenhum…

há uma base na aragem que passa
uma verdade seca,
uma mentira chorada,
e um tempo de vozes
uma sala cheia de silêncio
uma mulher que vende,
um pouco da felicidade que nunca teve…

há neste abraço, um pouco de futuro
e um insónia na solidão…

Alberto Cuddel

Sucessão

Sucessão

Seguem os copos e conversas
Esterilizações forçadas
Termos de identidade e residência
A resiliência dos poetas
O fogo branco da andropausa
Suores que escorrem
Risos abertos
Solta-se um poema gargalhado
Sedução oculta por toalhas…

E vem a salada
Doce, doce, doce o olhar
Fogo que arde que queima
No todo há parte, do que sou,
Do que somos, e somos tanto e muitos…

E somos muitos, dos que vieram
Dos que chegaram, dos que estão
E sai um brinde e um aniversário
E mais um riso, e batem-se palmas
E fica o silêncio… e mais um poema…

E a poesia é apenas isto, alguém que escreve
Alguém que escuta…
E este silêncio que se ouve…

Alberto Cuddel

Infusão

Infusão

repousam em água fervente
folhas secas sentir alheio
perfume das noites, madrugadas secas
estrelas cadentes em lua rubra…

mesclam-se fumos e perfumes de marés vivas
almiscarados e cloreto de sódio cetim molhado
bebem em tragos longos, vicio do filho de Júpiter
fermentam as palavras no goto, dedos perfumados…

infundem-me prazeres que rumino
mastigo versos, apuro o desejo
[arte alva desnudada]
o amor é assim, uma infusão de tudo
na eternidade da nossa comum existência…

afundam-se as palavras na mente
depois de bem maturadas,
quando tudo dão, na infusão do poema…

Alberto Cuddel

A Unidade do Ser!

A Unidade do Ser!

Quão difícil tarefa
Manter acesa a chama?
Acordar todos os dias
Com o sentimento de conquista?
Fazer e refazer tudo de novo,
Sim, foi fácil dizer o “sim”,
Mas fazemos com que esse “sim”
possa ser diariamente repetido?
Diariamente sem vacilarmos?
Amamos verdadeiramente ?
A nós mesmos a nossa outra metade?
Que nos completa na Unidade?
Partilhando angustias,
Vitórias, conquistas?

A ti conquisto, por ti insisto,
Por vivo, por ti existo!

Há noite despedimo-nos
Como se o amanhã não existisse?

Sim, o amanha pode não existir?
Devemos como um, exprimir o nosso sentir,
Orando e agradecendo o existir,
Acordar, dando graças,
Por poder de novo conquistar,
A graça que é Amar,
O prazer que é te Amar,
A ti “Mulher”, mãe, esposa e amante,
Que nosso leito partilhas,
Sem que verdadeiramente te diga,
Que te AMO todos os dias!

Alberto Cuddel
03/07/2013

A noite

A noite

Cansada cai exausta na cama,
Repousa,
Adormece nos braços de quem ama!
Ver-te assim dormindo…
Lembro-me de ti sorrindo,
Nos encontros matinais,
Nas bordas dos beirais,
Em que de ti vou fugindo,
Noites solitárias demais!

Amanhecer,
De novo nascer,
Como raios de sol,
Aquecendo a vidro, inundando nosso quarto,
Tocando teu rosto,
Serei sol, luz, calor ao acorda-te,
Serei tudo que na vida,
Calor,
Carinho,
Amor.

Alberto Cuddel
02/07/2013

Transcendências

Transcendências

atestem a serenata pelo canto do cisne
o fado no grasnar nocturno
entorpecidos pontos de luz
eclipse da escuridão, vozes roucas do eco…

rasguem-se as vísceras do arrepiar
na paz que me habita
parcos sejam os vidros vazios de baco
entorpecidas pernas que me levam

erga-se a alma alva
na paz que me jorra do leito
há corpos que fedem
mas o amor paira
na transcendência do orgasmo
que nos mostrou a vida dos deuses…

Alberto Cuddel

Ultimato a ti

Ultimato a ti

Sim, a ti,
A ti que criticas,
A ti que tens ideias,
A ti que tens opinião,
A ti que por tua cabeça pensas,
Não basta disser que é tudo uma desilusão,
Não basta que isto vai lá com crenças!
Está na hora de agir,
Está na hora de sair,
Do nosso local de conforto,
Temos que dizer, fazer, opinar e mudar,
Mesmo que tudo dê para o torto,
Tentamos, não ficamos parados,
A comunidade necessita de nós,
Nós que pensamos, nós que agimos,
Nós que não paramos,
Nós que não nos conformamos!
Procuremos as associações,
O poder e colectividades,
E podemos mudar gerações,
Fazendo mudar opiniões,
Basta de conformismos de sociedades,
Desinformadas!

Alberto Cuddel
02/07/2013

Reencarnação

Reencarnação

Pó-de-espírito depositado
esperança raiada no luar
eclipse do corpo, coração amargo
alienação para novo nascimento!

deuses de pernas partidas que não escutam
pedras ocultas no areal, árvores despidas
corre solto na noite o medo da luz
há na falta de fé um não sei que de humano
de transcendente ao pedido desesperado!

cercam-se as palavras de veludo
diante de um sol escaldante
e o sal salga as carnes em decomposição
por entre o vento que nos arrasta a alma…

renascimento, arte de ser um novo velho
com o peso do pecado que isso acarreta
desenhando novas desilusões na areia molhada…

Alberto Cuddel

Cheguei,

Cheguei,

Encontrei silêncio,
Encontrei o vazio,
Encontrei ausência,
Encontrei nosso leito despido de ti,
Restando apenas,
Teu cheiro,
Teu calor,
Em fases diferentes vivemos,
Qual sol, qual lua,
Impedidos de se encontrarem,
Apenas por breves e ternos instantes,
Para logo um de nosso ser, partir.
Quero quebrar tal feitiço,
Que nos impede e nos afasta,
Desta grande e nefasta,
Ausência,
E assim aguardo o amanhecer,
No silencio,
Para apenas te voltar a ver.

Alberto Cuddel
13/06/2013 0:25

Critica à poesia de hoje e seus motivos

Critica à poesia de hoje e seus motivos

Pode esta minha crítica suscitar reflexões, pode também meramente trazer os famosos bloqueios e cortes de relações, mas não gosto de encerrar em mim o que penso e a edição de opinião ainda é livre. Antes de mais, até hoje editei apenas um livro, não por falta de mérito ou dinheiro para o fazer, mas por achar que um livro é uma herança que fica, a forma como um dia serei recordado. Entrei também até ao momento em mais de 30 colectâneas e antologias, a maioria não por mérito mas porque simplesmente paguei as paginas em que escrevi, posto isto e tendo em conta todo o conteúdo que já publiquei em blogs, sites, redes sociais e outras, bem como a enorme quantidade de poemas, que escrevo com vários heterónimos e que leio diariamente, dos mais variadíssimos autores, apraz-me hoje escrever sobre a motivação, a qualidade e o prepósito da poesia, nomeadamente on-line.
Antes de entrar na crítica e motivação deixem-me explicar-vos o que procuro quando leio um poema:
Quando inicio a leitura de um poema, não espero encontrar ou conhecer o poeta, espero encontrar-me a mim, ou seja, não me interessa o acontecimento, mas transpor esse sentimento para reacções e sentires meus, que num determinado ponto da minha vida eu vivi. Num poema de amor não espero encontrar o amor a uma pessoa específica, mas a uma mulher, a um homem, sem rosto, sem nome, ou com um nome generalista. Ao ler um poema erótico, não quero saber do como, mas sim que seja eu a imaginar-me nele, quero que me induzam os movimentos e não que os imponham, quero a minha imaginação livre…
Não estou a dizer que quem se escreve está errado, quem conta de forma poética esta errado, mas que falta um pouco de cultura de leitura que permita ao leitor encontrar-se nele mesmo.

Sobre a motivação e agora sim o cerne da questão sejam homens ou mulheres, muitos dos que escrevem, procuram apenas o reconhecimento e conquista do sexo oposto, digo-o com toda a frontalidade e honestidade, sem problemas de ferir susceptibilidades, cada vez mais a sociedade nos impõe a realização pessoal, quer queiramos ou não ela é imposta pelo sexo e pela satisfação que ele nos produz no ego. Não entendam como uma critica a quem o faz, é apenas a minha forma de olhar a globalidade do que se encontra, leio poetas de muitas origens, Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, São Tome, até Timor, a verdade é que isto é transversal a todos. Não é o caso geral, mas a verdade é que existem e não vale a pena fingir que não vemos. Às vezes incomoda-me que me tentem ler como pessoa no que escrevo, mesmo que um pouco de mim lá esteja, pois não posso fugir a valores e léxicos educativos, mas tento impor em cada poema e heterónimo uma mensagem, que muitas vezes é estranha a mim próprio.
A coisa que mais me incomoda é o assédio que se evidência seja no comentário seja na resposta, chega a ser de tal forma que um poeta escreve Amor, e recebe 200 ou mais comentários a dizer “lindo, Beijos”. Ou um poema com uma foto pessoal em anexo e centenas de comentários “ és linda ou lindo”, ou até “amo-te poeta, beijos” ou “só te queria aqui”… não tenho nada contra isto, cada um sabe da sua vida, mas isto? Isto não é poesia!
Depois ainda temos um outro flagelo, o plágio, gente sem escrúpulos que se faz passar por quem não é para tirar proveitos duvidosos da inspiração alheia, muito destes plágios existem por não existirem leitores e poetas treinados na leitura, já alguns casos foram por mim identificados, por ao passar em determinados poemas encontrar a assinatura lexical e do sentir induzido característico de determinado poeta ou poetisa.
Não entendam isto como uma crítica pessoal, apenas como um desabafo de um leitor que cada vez é obrigado a perder mais tempo, com leituras que não primam pela verdadeira intenção poética.

Atenciosamente,

António Alberto Teixeira de Sousa
19/07/2017
13:43

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