Adivinho-me

Adivinho-me

Adivinho-te no meu peito
(nessa arte vil de ser, Amor)!

Faço-me de novo a cada despedida
Em cada esperança esbatida da chegada,
Na cadência das ondas de uma maré
Que trás, que leva, que se faz
– O sentir que brota dos lábios
Perfume que nos corrói a alma…

Que trágica sina essa de partir
Onde nos espera o tempo que esta por vir
Pelo amor a dor da saudade,
Dói, mesmo antes de a sentir…

Leveza da chegada, o sentir
Calor momentâneo pelo sangue que corre
Adivinho-me assim, pleno, no entre tempo…

Se é amor não sei, o amor é…
Não se explica ou adivinha, apenas chega, apenas parte…

Alberto Cuddel
14/06/2019

Quebra

Quebra

quebrei, distraído, quebrei
quebrei, quebrando o que firme estava
inconsciência do habito de nada usar…

queria arrancar-te essa dor no peito
voltar a fazer de outra forma o que foi feito…

quanta cobardia, quanta incúria do cuidado
quanta dor infligida, quanta traição cometida…

podiam ser rosas brancas
essa nascidas em terra selvagem
podia ser mar ao alcance dos olhos
mas foi meramente chuva que te corria pelos seios…

enredo-me na teia da madrugada
usurpação do tempo que lembrava
tragédias pardacentas, frios corpos
uma embriagues lânguida
no almiscarado perfume dos dedos!

quebrei as juras que aqui vinham morrer
pela tarde calada no leito toldado
rouba-me o ar que arfa no peito
descobre-me o medo rarefeito
uma febre hemorrágica dos segredos
palavras sangrenta e sem medos…

quebrei, distraído, quebrei
quebrei, quebrando o que firme estava
inconsciência do habito de nada usar…

Alberto Cuddel
11/06/2019
01:00

Poema XLIX

Poema XLIX

sou sempre a divisão do que não está
nessa loucura do júbilo desconcertante
escondendo-me das amantes,
em nomes que nunca tive, quem finge crer?
que me multipliquei em versos
em registos de um livro branco
onde nos cantam as sereias, novos e tristes fados
das gargalhadas do paço, corrompido está o poder…

arranca-me do ventre da minha mãe, nesta fome de viver
que fado doce te escorre na face, nas ruas infestadas de sardinha
manjericos saltitam embriagados correndo pelas moças
serei as nuvens que se arrastam, pelos silêncio da tua voz…

à loucura de existir pela mão louca de um cobarde!…

Alberto Cuddel
13/06/2019

 

Último poema do projecto de livro “o suave aconchego do poema”

O Suave Aconchego Do Poema

Poema XLVIII

Poema XLVIII

morrem na praça os passos
quebra-se o silêncio no chão por pressa
não há quem meça como cá chegamos…
caricias dos pé no interior dos sapatos é meramente dor…

não amo a poesia (essa que ondula como navios do cais)
mas a livre cativa da alma onde morais…
há uma febril constatação, a poesia não morre nos dedos
mas no ventre de quem a come…

há quem me meça e avalie
há que me contabilize,
há até quem me conte as letras gastas
há quem me acuse de desperdício…
mas quem é o homem que se poupa
na execução da sua amaldiçoada arte?

Alberto Cuddel
13/06/2019

Poema XLVII

Poema XLVII

não principio nem acabo nas palavras que escrevo
tudo é um vício que me consome
como uma tragédia, como um drama de uma disputa que não começou…
não por uma insanidade ou um ósculo histórico por dar
talvez como uma missiva que nunca chegou,
por um tiro no peito que o matou!…

deixa a palavra reclusa da gaveta do esquecimento
deixa que a leve no bico a andorinha à chegada do outono
sofra eu a perda como um cão sem dono
vagueando pelas estradas esquecidas e sem bermas.

assaltam-me o espanto e a dúvida
nesta guerra que me roubou a paz
nos diligentes caminhos da loucura
onde a vida é um mero jogo de palavras…

as letras devoram-me a carne
os ossos da mão que escreve
a luz fustiga-me as ideias
numa fome letal e voraz
consome-me as sílabas o papel…
letra após letra, após letra…
não principio nem acabo nas palavras que escrevo
tudo é um vício que me consome…

até que o aconchego do poema me abrace!…
na transparência do vidro constróis labirintos
caminhos tendenciosos rumo ao olimpo e infinitos
porque deuses somos nós…

Alberto Cuddel
13/06/2019

Poema XLVI

Poema XLVI

Magras, tuas mãos alargam-se sobre quem a vida sequestra.

Ainda que os braços pendam sem forças
sob o jugo do peso da discórdia
erga-se a vontade da vida, partilha do pouco
uma vontade de ser, apenas amanhã…

saudade de amar como uma viagem por fazer
o frio no chão como as campas,
húmidos estão os pés que não se movem por ninguém
morrem as bem-aventuranças, nesse umbigo onde gira o mundo…

saudade do futuro como de um sorriso estampado no rosto
(criança cheia de fome, e corre, e brinca tristemente)
há lares vazios de gente, e casas cheias de saudade de viver
há quem já não tenha medo de morrer, há quem o deseje…

tudo é dos outros salvo a mágoa de o não ser
até a culpa, até o medo…
eu? Eu sempre sempre serei inocente
mesmo que nada faça, do que deve ser feito…

Alberto Cuddel
05/06/2019

Poema XLV

Poema XLV

A razão também olha a aurora
neste coração que chora
na esperança que o destino se cumpra!…

que tenho eu a oferecer
nessa esperança de fé
que tenho eu que espere
neste dia que não promete
na dor que não lhe vejo o fim

que venha o ser depois
promessa cumprida
no querer consumado
a cada raio de sol
adormeçam lado a lado
a cada outro luar…

vejo como não via o lugar a que pertenço
lembro-me de ser pequeno, sabendo que havia de ir
e vou, não hoje, mas vou, sei que vou,
porque aqui, aqui já não sou, aqui já não existo
aqui já não vivo, por pertencer a um outro lugar…

na fé que ainda nos resta, espera…
para que ainda exista um lugar onde chegar…

Alberto Cuddel
24/04/2019

Parafraseando a vida que ainda é…

Parafraseando a vida que ainda é…

[…nasci bem depois de amanhã, enquanto me lembrava de ser feliz!]

…correm as areias soltas no leito do ribeiro
olhas-me de olhos quentes e sedentos do alto da ponte
morro, tantas-vezes morro, na inocência do que te ardia no peito
abraço-despedida, na tristeza que me consumia,
era feliz com o pouco que conhecia, da vida nada…
maduros frutos, doces, ali diante dos olhos, e o rio, segue, segue…
– não via, nunca tinha erguido o olhar, torre de marfim…

(sinto nos lábios frios a brisa de Outono)
fui, e vim, voltei a fugir e a chegar, e vieram as chuvas e o frio,
e outros tempos mais, e casas, e camas, e moveis mexidos,
e outras plantas, outros frutos, e outra natureza real…
olhas-me de olhos quentes e sedentos do alto da ponte
como da primeira vez… e esperas…
como sempre esperaste essa Primavera, esse florir desejado,
com a esperança nos olhos, e o desejo no regaço…
ali, mesmo ali diante do rio que passa
venceste…

Alberto Cuddel
15/05/2019
19:47

Poema XLIV

Poema XLIV

Arde onde sucumbo
na arte de morrer sozinho
crio verdades nas montanhas da ilusão
trinco poemas que nunca me satisfazem
e rimas sem sabor, que se arrastam!

(…)
Fogem-me as palavras novas e as antigas
um medo fecundo que se aborta
ao primeiro momento de prazer!

Gaivotas, essa liberdade imposta pela insaciabilidade
infinito azul que se confunde no horizonte
mãos estendidas, outras nos bolsos como ontem!

Deste lado da ponte, não há quem a atravesse
uma cobardia, uma falta de coragem,
uma infame falta de acção, uma veleidade
neste limbo onde nem o molhado já chove…

A irrealidade das coisas, tangencialmente amor,
loucura assoberbada inconsciência das almas
um cantar de melancolia, entre tronos dourados
assim prostrado, moendo os joelhos, – reclamo!

Nas ruas, representação estereotipada do ego
refutam asas e agoiros e silêncios gemidos
alvas coisas sem nexo, e bocados jurados de fé,
ainda assim invejam tudo o que poderiam ser!
( ainda que nunca tenha sido!)

Alberto Cuddel
#osuaveaconchegodopoema

Poema XLII

Poema XLII

“olho os sonhos que passam em branco algodão
solas cansadas em quilómetros de chão”

conto os dias que faltam para amanhã
nesse amanhã que será depois, depois da véspera
deito-me onde outros se revoltam, desses que dizem coisas
mas nunca as fazem, os papeis continuam no chão
as ervas por cortar, vejo e nada faço, nada digo…
não sou melhor ou pior, não sou da vida mendigo…

suportam-me as tábuas os costados
mas por cansaço, não por desleixo
mas não tenho porque ir nesta hora
apenas fico olhando céu que passa…

há qualquer coisa de filosófico neste estar
eu quedo, e tudo á minha volta
mexe, cresce, move, morre
permito-me estar, ver a vida
olhando para o ar…
no fundo não há outro prazer para alem de sentir,
nem esse olhar doente e distante onde se decompõem os pensamentos
há um que de heróico nesta coragem de deitar
um espera enquanto a fome da vida não me voltar a dominar…
espero, espero, espero
fico a ver o mundo lá cima girar…

Alberto Cuddel
15/04/2019

Poema XLI

Poema XLI

uma noite, diante do conhecimento das coisas
depois de uma maré, antes que venham as águas
ainda que se misturem os troncos nas algas secas sob do luar
uma noite, havemos de olhar as estrelas, como se elas fossem gente…

há na mudança uma revolução, entre o que sentes e o que és
e és tanto em relação o que fostes…

espera-me, não por muito tempo, mas espera-me
como uma estrela cadente que chega sem avisar,
nesse sorriso que te arranco mesmo cansada
assim do nada, por ser concreta a realidade do estar.
não um sonho do acaso, mas porque o acaso nos juntou…

de todas as paisagens irreais que formei na imaginação,
é a penas a consciência de te saber real que me move os pés
nessa direcção onde sei ser concreto o sentir,
onde sei palpável o amor que me arde no peito…

dizem-me de garganta gritante o amor não é,
eu de peito aberto afirmo:
o amor é um acto de fé
se nele creio por mim existe

Alberto Cuddel
14/04/2019

Poema XXXVI

Poema XXXVI

gosto de ver-te
pedra sobre pedra
como se a tinta escorresse
ali desamparada pela alma

gosto de ouvir-te
gemidos dos ecos
saltando as pedras do leito
ali, na solidão do vale,
cantando versos

gosto de sentir-te
acariciares-me a alma
tocar-me levemente nos poros
coração que palpita gélido
a cada virgula…

gosto de ti poema
olho-te poeta
escuto-te palavra
sinto-te mulher
enquanto a tinta escorre
fervilha-me o sangue
em seiva que me cresce…

Alberto Cuddel
06/04/2019

Poema XXXV

Poema XXXV

ás vezes ergo a cabeça estonteado dos livros e olho o mundo,
olho no alheamento da realidade que a fé nos homens me impõe,
seria mais fácil a divagação abstracta do prazer do corpo,
nas acções do sentir procuro a vida na plenitude das horas
um altruísmo catódico da caridade divina praticada nas mãos!…

não há nada como ser o primeiro dia de vida
vestindo-me de vida a cada sonho
conheço o dia límpido e vazio
há na morte lugar aos heróis
abafo em mim as palavras que calo no silêncio
o pensamento eleva-se á elegância do conhecimento
nesta fusão com o real, porque a realidade é o que sempre foi natural…

nesta análise rápida da vida, fundo-me com as nuvens que passam
pela certeza que há um futuro depois, diferente do agora…

ás vezes acontece de reprende, a realidade acontece ali diante de nós
e tudo é tão naturalmente certo, tão correctamente vivo, tão divinamente amor…

olho o dia, a vida espera-me, realmente espera-me, e eu vou…

Alberto Cuddel
04/04/2019
09:45

Poema XXXIV

Poema XXXIV

gritas-me de olhar cheio de raiva:
– vai morrer longe!…
e eu vou…

confundi-me com a tinta negra e escorri para fora da folha, ali ao lado da janela
preencho-me com a imensidão de absurdos e desassossegos
medito de olhos quentes na verdade que vi, e desce a tarde pelo tempo
histórias fúteis de um caçador de palavras que ama o que mexe…

resvalo num precipício da ignorância numa esperança vã, o café arrefeceu
na mesa longa e vazia repousa um braço cansado olhando o mundo
pedras contam a dor lancinante do ódio, esse que lhe nasce no fígado
o poeta jaz… pálido, abatido, acusado de perjúrio ele que apenas sentia os sonhos…
(se fosse eu mentiria com todos os dentes, mas um mar inundaria o teu olhar)

Nós e todos os outros que vivemos da palavra, que a respiramos,
que a aspiramos pelas narinas, que nos excitamos a cada verso…
nós que atravessamos o palco em silêncio pela palavra escrita
somos falsos, somos actores? Nós que nos entregamos à poesia
que morremos nela e por ela, que nos suicidamos a cada ponto final
que nos apaixonamos em cada título, que choramos cada dor!
Somos nós os falsos?

E tu? Que iludes com o que não sentes, iludindo o leitor, num jogo repetido de palavras…

gritas-me de olhar cheio de raiva:
– vai morrer longe!…
e eu vou… morrendo a cada poema…

Alberto Cuddel
02/04/2019
18:36

Poema XXXIII

Poema XXXIII

“quando eu nasci, chovia, tinha havido missa
mas chovia”

quando eu nasci, gritei ao mundo por fome
e chovia,
não haviam florido flores nem o sol aquecia…

o meu nascimento foi a queda contra a vontade
um precipício sem fundo de um tempo finito
fiz-me escravo da vida existente
– suplica constante de fome…

fome e sede de uma alma inquieta,
nasci, vivi, fiz-me herdeiro, fiz-me poeta
certeza solta e disforme, na palavra fez-se concreta
ilusão plena que a vida existe, para além do verso…
se por Deus vivo, por Deus também transpiro

Alberto Cuddel
31/03/2019
19:25

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