Poema XXXIV
gritas-me de olhar cheio de raiva:
– vai morrer longe!…
e eu vou…
confundi-me com a tinta negra e escorri para fora da folha, ali ao lado da janela
preencho-me com a imensidão de absurdos e desassossegos
medito de olhos quentes na verdade que vi, e desce a tarde pelo tempo
histórias fúteis de um caçador de palavras que ama o que mexe…
resvalo num precipício da ignorância numa esperança vã, o café arrefeceu
na mesa longa e vazia repousa um braço cansado olhando o mundo
pedras contam a dor lancinante do ódio, esse que lhe nasce no fígado
o poeta jaz… pálido, abatido, acusado de perjúrio ele que apenas sentia os sonhos…
(se fosse eu mentiria com todos os dentes, mas um mar inundaria o teu olhar)
Nós e todos os outros que vivemos da palavra, que a respiramos,
que a aspiramos pelas narinas, que nos excitamos a cada verso…
nós que atravessamos o palco em silêncio pela palavra escrita
somos falsos, somos actores? Nós que nos entregamos à poesia
que morremos nela e por ela, que nos suicidamos a cada ponto final
que nos apaixonamos em cada título, que choramos cada dor!
Somos nós os falsos?
E tu? Que iludes com o que não sentes, iludindo o leitor, num jogo repetido de palavras…
gritas-me de olhar cheio de raiva:
– vai morrer longe!…
e eu vou… morrendo a cada poema…
Alberto Cuddel
02/04/2019
18:36
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