Corpo-Abrigo

Corpo-Abrigo

Há nesse Corpo-abrigo uma esperança de vida, uma sorte, um desejo-amor, uma fórmula mágica que nos recolha do mar, que nos faça acordar do desespero da solidão. Há nesse corpo-abrigo uma calma que me espanta, um querer que me arrebata, uma força que me chama, e nele quero existir, nele faço-me, a ele me entrego na plenitude humana de ser tudo, e completo.

Depois desabrigo-me neste calor que se avizinha, nesta fúria do caminho em corrida, em que a noite minga, e o tempo faz-se luz e cansaço, e depois, depois aninhamo-nos no espaço curto de um abraço enquanto esperamos pela frescura ampla da madrugada, e amamo-nos quando todos estão calados…

E antes que a vida nos separe, juramos sentires eternos, ali diante dos céus, das estrelas e do paraíso, porque de inferno literal estão os dias cheios e fartos de uma separação rasgada imposta por uma sociedade corrupta inimiga da felicidade humana…

E no teu-nosso corpo-abrigo existimos plenamente além da realidade física, somos alma ungida e abençoada pelos espíritos livres que nos vagueiam pela mente…

Somos a perfeição do que de nós fizemos, mesmo antes da vida ser vida estávamos destinados a existir… ser eternamente confiança, corpo-abrigo meu…

200 – palavras

Alberto Cuddel
30/03/2021 09:20
In: Entre o escárnio e o bem dizer,
Venha deus e escolha L

Imagem de João Gomez photography

Vestes que despes contra a parede do tempo…

Vestes que despes contra a parede do tempo…

nas paredes amarelecidas pelo tempo
as vestes que despes de uma alma nua
estendes marcos aos olhares do mundo
condenam-te as vistas que passam
pelas molas podres e o gasto da roupa…

corres pela rua acima, em portas e janelas fechadas
rotos que espreitam por detrás das cortinas
gente com medo da rua, com medo da vida
e estendes ao mundo as línguas de trapos
a bocas imundas de palavras porcas…

estendes ao sol
as vestes que despes contra a parede do tempo
em alma lavada corada ao tempo…
e esperas… que o tempo te seque…
calcorreando o empedrado da rua…
aprisionado entre paredes gastas…

Alberto Cuddel
21/01/2021 15:10
In: Entre o escárnio e o bem dizer,
Venha deus e escolha XVI

Essa cascata de fogo que me arde na alma…

Essa cascata de fogo que me arde na alma…

inflamam-se as palavras aprisionadas na alma
nessa legião urbana que se eleva no olhar afiado da aguia
rebentam cascatas divinas em vozes de platina cantando Salomão
ó virgens de candeia acesa velai pelo vosso senhor…

há nos desertos áridos uma voz que clama
um turbilhão de desejos em dunas veraneias, uma toalha no chão
arde-me o pecado na garganta e o segredo contido
palavras que me rasgam o estomago,
nesse acido bater de asas de uma borboleta…

será amor esta dor que me corrói?
essa asia que me queima por dentro
sedentos pecados lívidos e carnais,
deste mesquinho impuro e pecador
ávido sedento de toques marginais
rasgam-se as túnicas ali, bem ali junto ao poço,
onde se evangelizou a impia, onde o pecado foi lavado…

sempre meditei como era absurdo que as palavras fossem aprisionadas na boca
onde a realidade substancial é uma série de sensações, houvesse coisas tão belas como o beijo e fosse tão complicadamente simples sentir, e tão difícil de o verbalizar…
a vida prática sempre me pareceu a menos cómoda
nesse desejo absoluto da mãe de todos os suicídios o silencio, morte anunciada da alma. não agir foi sempre para mim a condenação violenta do sonho, não escrever
não falar, não gritar ao mundo no grasnar de uma gaivota sempre me pareceu
um sonho arruinado e injustamente condenado pelo acto suicida do silencio…

escrever é objectivar sonhos, é criar um mundo exterior para prémio, é dar voz
aos pecadores que calam os sonhos…
podia nascer lua, surfar a crista de uma onda de prata, ser desejo ardente de um abeto
curvado ao vento… mas nessa cascata de fogo que me queima por dentro, há apenas o sonho, e essa voz que é pátria, que nos faz fado, que nos serve poesia em golos pequenos
que nos condena a nossa humilde condição de homens de sonhos, que nos condena a ser poeta… essa voz que me rasga por dentro, que se faz vida…
e depois somos apenas nós, tu que me cortas a alma em pedaços na leitura e eu, que vomitei palavras… pela dor que elas me causavam…

Alberto Cuddel
25/11/2020
02:30
Poética da demência assíncrona…

Se quereis conhecer-me…

Se quereis conhecer-me…

se quereis conhecer-me não me procureis nas ambiciosas palavras
nos versos que grito ou nas palavras que calo
procurei-me nos silêncios… nessa visão oculta do feminino da alma…

na fragilidade da vida, morro… como se morre ao nascer, morrendo semente…
e o rio corre diante do murmúrio da saudade da chegada
há uma palavra que escorre por entre a vida do deslumbramento
uma lágrima que escorre na clareira enquanto voa um condor que espera…
no corpo quente de sereia que me encanta, em silêncio fecho os olhos
repudio a consequência e sonho-me livre, diante da abstinência

nos silêncios que grito, escorrem-me mentiras nos versos que declamo
no antagonismo da morte, vivo amplamente o prazer de estar vivo

penso sem consequências a hipótese da comprovação científica
pela experimentação do resultado confirmo,

grito mais nos silêncios do que nas palavras em que minto…
não sente o poeta o que escreve?
mas desce ao inferno na busca da dor perfeita, da repulsa e do grito…

se querei conhecer-me, descalça-me, veste a minha vida e percorre os meus caminhos…

abraça-me, abraça-me longamente o silêncio
e porque me quis a alma, assim o fiz, de mim mentindo
tudo afirmei, dizendo toda a verdade ou meramente o seu oposto…
e olho a sorrir o titulo da folha…
e sei que nem mesmo eu me conheço

apenas por que ainda me procuro onde nunca estive…

Alberto Cuddel
10/11/2020
23:30
Poética da demência assíncrona…

Na profundidade da alma

Na profundidade da alma

desci à profundidade obscura da minha alma
procurava em mim o silêncio do mundo
aquele pedacinho de nada que me permite pensar

  • as ideias não se calavam discutindo ferozmente
    entre o coração e a mente, quem teria razão?
  • e eu? que importância tinha em mim?

para comigo mesmo tenho um pudor em dizê-lo,

  • nada faço. nem a mim mesmo ouso dizer:
    quem seria se fizesse?
    tudo isto deixa-me exausto,
    nesta loucura de pensar a consequência da palavra escrita

não falemos mais.
as coisas que se amam, os sentimentos que se sentem guardam-se com a chave d’aquilo que amamos
o «pudor» é a arte de se fazer cofre no coração.
a eloquência profana-os quando os pensamos
porque sentir é não pensar,
e sentir é agir sem o medo das consequências

não há excitações ou meditações
na profundidade da alma tudo se revela

  • cristalino sem as sombras
    projecções da luz da consciência, da razão…

na obscuridade silenciosa da alma
somos essencialmente sentir
sem os julgamentos humanos das “LEIS divinas”
e lá construímos impérios e castelos
lá somos apenas nós, maleficamente egoístas…

Alberto Cuddel
25/10/2020
17:50
Poética da demência assíncrona…

Movimento perpétuo das areias, cansaço…

Movimento perpétuo das areias, cansaço…

constitui-te uma alma imóvel,
na imortalidade da morte eterna
nesse esforço teu de querer sentir coisas
perdes a brisa no rosto e a água nos pés
como se o tempo se esgotasse
como areia por entre os dedos…

e depois? nessa escura e negra vivência
morrem os sonhos na abstinência
nesse sono cansado, na solidão do corpo
não há resposta nas palavras, nem desejo, nada…
apenas um cansaço nas pernas,
um corpo cansado pelo peso da alma…

falta-me o desejo no teu corpo de mulher

falta-me do desejo de te possuir a alma…

constitui-te alma imóvel…
sem vontade de existência
como se a vida em ti
já não morasse ali!…

Alberto Cuddel
24/09/2020
10:17
Poética da demência assíncrona…

Memória da alma!

Memória da alma!

Gravo na alma a imagem deste lugar,
Um lugar surpreendido pelo olhar,
Longínquo, perfeito, inacessível
Sonhado, desejado, inverosímil!

Esfera perfeita da ilusão
Não um qualquer lugar
Escanzelado e despido no olhar
Gravo as formas curvas das palavras
Gentilmente dedilhadas ao fundo
Sobre um futuro que anuncias
A vida, ai a vida,
Essa não são apenas borboletas!

Alberto Cuddel
20/05/2017

Aquece-me a alma…

Aquece-me a alma…

abraça-me o corpo,
arrepia-me a cada toque
abarca-me os seios
gélidas são as noites de solidão
essas onde o teu calor se ausenta
quero-te, permanentemente
quero-te em mim e por mim
quero o teu prazer, a tua loucura
a tua entrega, a tua dádiva…
quero que me ergas, que me deites
que me leves, que me tragas
que me faças, que me desfaças…
aquece-me a alma a cada jorro…
a cada antes, a cada depois
a cada abraço, a cada beijo
nesse compasso, descompassado
em que nos fundimos…

arde-me no peito
o teu desejo
o teu querer…
arde-me na vida
a certeza deste sentir…
aquece-me a alma…

Tiago Paixão

E depois, antes do agora?

E depois, antes do agora?

“A única maneira de teres sensações novas é construíres-te
uma alma nova, com novos mundos
enfadonho esforço o teu se queres sentir outras coisas
sem sentires de outra maneira, e sentires-te de outra maneira
sem mudares de alma.
Porque as coisas são como nós as sentimos —
há quanto tempo sabes tu isto sem o saberes?”

Bernardo Soares
In: livro do Desassossego

olhar um mundo novo, não pelos olhos de ontem
mas os mesmos olhos de outro lugar, novo ângulo
mudemos a alma de lugar, novo sentir, das mesmas coisas
sentir as coisas novas pegando com a outra mão…
olhemos a vida de baixo para cima, de cima para baixo
mas nunca de igual modo, ver de novo é deixar de olhar…

não esperes pela noite, encontra-a
não esperes pela maré entra no mar
não deixes que o amor te encontre
se tu mesmo o amor…

sente, sê o próprio sentir
derruba o medo e diz
grita “não”
sê o sim se isso for novo…

e depois, antes do agora
volta ao que eras
e sê outra coisa…

Alberto Cuddel

O meu Poema

O meu poema

Não, não
Não esticarei a perna para que caias,
Não gritarei alto
Não me porei no teu caminho
Quero que as minhas, apenas as minhas palavras se tornem fósseis
Que morram no papel, para que sejam encontradas…

Lês-me, lês-me
Como quem descobre o universo
Como quem ama numa palavra
Como quem mata no silêncio
Como quem chora na chegada
Lês-me, lês-me…

Em tudo o que não escrevi
Na flor que não floriu
No arco íris nascido em céu limpo
Nas marés vivas de verão
Lês-me onde nunca estive
E estive tão perto, tão dentro
Tão longe, tão certo…

Procuras encontros e amantes
Procuras amores em terras distantes
E eles ali, ao alcance da mão…

Quantas mãos estendidas
Quantos braços caídos
Quantos gritos por salvação
Quantos tios, primos, irmãos…

Quantos humanos esperam pão?

No meu poema cabe o mundo todo
No centro da minha mão…

Cabe o amor, a paixão
Um corpo despido
O fogo do tesão…
Cabe a luxúria, o ego e a traição
Cabe o sofrimento, a perda e a desilusão
Cabe a vitória, a alegria e o campeão
Cabe o correcto, a política e a sociedade,
Cabe a chegada, a partida e a saudade,
Cabe a brejeirice, o fado e a canção…

No meu poema cabe o abecedário
A vida e o coração…

No meu poema cabemos todos
Sem qualquer excepção…

Alberto Cuddel
07/12/2018
Poema a todos os que lêem e escrevem poesia… Sem rede e sem frio…

Poema do dia 26/09/2018

Poema do dia 26/09/2018

Deixei que as tábuas
suportassem o peso
dos nossos corpos,
nessas almas que voam
corpos que se olham
firmados no tempo e espaço
imoveis no beijo, amor!

Como aves no céu, bailado sincronizado, canas que se vergam ao vento, almas que se complementam, que se regeneram, nessa liberdade em que se somam sem subtracção! Corrente geminada de um ribeiro, moinho que se move no vento, ponte que nos une as duas margens do rio, estrelas em noite escura!

Deixei que as tábuas
suportassem o peso
dos nossos corpos,
nessas almas que voam
corpos que se olham
firmados no tempo e espaço
imoveis no beijo, amor!

Amo contigo o amor em que tu me pensas, nesse em que me deseja e te desejo, amo a liberdade dos espíritos inconformados com o hoje, que se apaixonam a cada madrugada, para se amarem à noite. Entre nós, porque há em nós o pensamento, sem gastarmos o tempo e desejo de o ter, porque pensamos em beber de nós o intento entornado, néctar puro, nesse amor de fim de tarde.

Deixei que as tábuas
suportassem o peso
dos nossos corpos,
nessas almas que voam
corpos que se olham
firmados no tempo e espaço
imoveis no beijo, amor!

O que há de sol é o que resta do dia, nesta poesia baça em que o sonho me arde, só nos resta a saudade os céus acima, neste voo subtil, amando-nos enquanto o sol solidariamente se deita!

Alberto Cuddel
26/09/2018
Lisboa, Portugal

O nosso Segredo

O nosso Segredo

Falta-me gritar ao vento norte
Tudo o que ganhei e minha sorte
Tudo o que agora sei e já vivi
Tudo o que sonhei e já senti!

Falta-me cantar aos quatro ventos
Tudo os que sofri e desalentos
Falta-me gemer assim baixinho
Que depois do teu carinho
Eu já não sei seguir sozinho
Na solidão deste meu caminho!

Falta-me viver no teu amor
De mãos dadas no calor
Essa sim na liberdade
De viver na verdade
O amor que nos condena
À prisão do nosso tempo
Levado pelo vento
Nas asas da saudade!

Falta-me gritar dentro do peito
Tudo o que sinto e o que aceito
Esta dor que da sociedade
Nos amarar no seu preceito!

Falta-me seres melodia,
Duma canção de amor antigo
Faltas-me ser sempre minha
Neste caminhar sempre contigo!

Falta-me gritar ao vento norte
Tudo o que ganhei e minha sorte
Tudo o que agora sei e já vivi
Tudo o que sonhei e já senti!

Alberto Cuddel

31/08/2018

Brilho da Alma

Brilho da Alma

Na fina Tez o brilho de tua alma
A força das cores da tua aura
Luta, esperança, força, vontade
A constante de ser quem és
A certeza de seres verdade
És força da natureza, mulher
Do querer, do afirmar, do remar contra marés
Não desistas, não baixes os braços
Não deixes de ser quem apenas és!

Alberto Cuddel

Notas da Alma!

Notas da Alma!

Em meu corpo a pauta do ser,
Escreves em mim o som do desejo,
Musicando com o toque cada nota,
Percorres habilmente cada tecla,
Cada sopro, cada som…
Musicando, extraindo,
Compondo a perfeita sinfonia,
Na vibração absoluta de minha alma…

Alberto Cuddel

Poema do dia 27/08/2018

Poema do dia 27/08/2018

“nesta busca constante por um sexo corpóreo ou mera ilusão da conquista, reside uma metafisica linguística da casa mãe, que o homem, ainda conquista. Baralhai e dai, mas é ela, mesmo que sonhada, a dona do leito”

Fernando Pessoa in O livro do desassossego

Rasguei os ventos gramaticais desse vento que me cruza a imaginação,
Cozi vocábulos quentes arrastados por cafés, cerzi poemas falsos
Fui seduzido por sonhos escritos nas nuvens de papel, intensamente…

Cravei ideias em cérebros vazios, e fui cavalgando o mundo
Ruas vazias de gente só, cheias do acompanhamento global
Ali, mesmo ali enfiado no bolso direito das calças justas de ganga!

Despi-me e ninguém me viu,
Gritei, ninguém me ouviu…
Agitei bandeiras transparentes
Mascarei-me com mascaras diferentes…

Sempre o mesmo, querem-me
Apenas nos sonhos que gravo
Nessa dor que finjo sentir
Nesse amor que não possuo
Nessa beleza linguística de ser
Vida que olha o mundo de outro lugar…

Bebem-me, sorvem-me
E nunca me absorvem a essência…
Essa nunca foi tocada pelas letras,
Apenas pelos lábios doces, de quem me ousou
Tomar a alma como sua, na espera longa
Que o tempo me arrebatasse para o mundo…

Alberto Cuddel
27/08/2018

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