Getsêmani

Getsêmani

por trinta pratas osculas o teu mestre
pela avareza entregas aos carrascos quem te fez…

há nessa arte sempiterna de fazer luz do fruto
iluminando a escuridão da mente humana
nobre óleo de oliva, puro na pedra moído
que angular se fez sustentando a fé invisível
insolúvel na fonte da vida, fé de samaritana…

pela espada feres por ela serás mordido
tu que vives na glorificação da calúnia
em palavras floridas e rançosas, escolhidas
na agrura do arrependimento enlaças-te
batendo com a mão no peito, culpado…

descalça-te e faz o caminho, penitencia-te
percorre o pó das pedras que o chicote colocou
esse que te leva à glorificação do sacrifício
em pleno circo romano, declara-te trágico
e que me morra o espírito, nascendo alma nova
pela água podes ser resgatado à luz…

que se faça “Getsêmani” em ti e de fruto
te faças luz, e que da tua boca as palavras
que proclamas aos homens, se façam luz…

Alberto Cuddel
01/04/2021 05:00
In: Entre o escárnio e o bem dizer,
Venha deus e escolha LI

Nas palavras a revoada

Nas palavras a revoada

No tudo que bafejo
Exalo a ficção do sentir
Quem sabe sonho, desejo?
Mera representação anacrónica da memória
Concepção impenetrável da alma
Vivendo por outros
Existindo em mim
Na força deprimente de não ser
Sendo todos ou ninguém…

Ódio carnal e estonteante
De mim próprio
Nos impróprios desejos da carne
Meu ser desastrado que nos odeia,
E ama em segredo na noite
De todas a mulheres do mundo
Maria!

Incompleta visão, destemido
Em todo o mistério oculto
Afinidade e concisão rogo
Genuflectido ao teu poder
Imploro a cada dia – amor
Um mero torpor nos dedos
Curvas disformes das letras
Arredondados seios, indigência das mãos
Inactivas e soltas, ainda que distantes!

Na revoada das palavras
Descuro todo o seu significado
Libertando a morte certa
Do fim, concedendo-lhe a eternidade!
Ainda que essa eternidade efémera
Se chame em mim apenas Maria!

Alberto Cuddel
18/05/2017
03:12

Neste acreditar sem Fé

Neste acreditar sem fé

depois do tudo que é,
sem bom dia e sem abraços…
creio antever ver que ira ser
nada será como é, e tudo será novo depois

acontece-me às vezes,
e sempre que acontece é quase de repente,
surgir-me no meio das sensações um cansaço
tão terrível da vida, do que já foi,
não há sequer hipótese de um acto
de beijo, de contacto

como dominá-lo? esse desejo de afecto
essa vontade de ter, de receber de gastar e esbanjar
o que hoje não tenho, não temos…

para o remediar o suicídio parece incerto,
a morte espreita, mesmo suposta, a inconsciência,
há um toque fútil que contamina…
ainda pouco, um cansaço que ambiciona,
agarrei-me ao varão para o saber existir
— o que pode ser ou pode não ser possível
se doente estou porque vivo
e se de morto caminhante não passo…
neste acreditar sem fé
morro a cada dia, a cada instante…

Alberto Cuddel
22/03/2020
04:44
In: Nova poesia de um poeta velho

Neste acreditar sem fé

Neste acreditar sem fé

depois do tudo que é,
sem bom dia e sem abraços…
creio antever ver que ira ser
nada será como é, e tudo será novo depois

acontece-me às vezes,
sempre que acontece e quase de repente,
surgir-me no meio das sensações um cansaço
tão terrível da vida do que já foi
que não há sequer hipótese de acto
de beijo, de contacto

como dominá-lo? esse desejo de afecto
essa vontade de ter, de receber de gastar e esbanjar
o que hoje não tenho, não temos…

para o remediar o suicídio parece incerto,
a morte espreita, mesmo suposta, a inconsciência,
há um toque fútil que contamina…
ainda pouco, um cansaço que ambiciona,
agarrei-me ao varão para o saber existir
— o que pode ser ou pode não ser possível
se doente estou porque vivo
e se de moto caminhante não passo…
neste acreditar sem fé
morro a cada dia, a cada instante…

Alberto Cuddel
22/03/2020
04:44
In: Nova poesia de um poeta velho

Acreditar

Acreditar

Nem Deus nem os homens…
Quem de nós crê?
Que fé é essa que Deus em nós deposita?

Quem me conhece, se eu de mim nada sei?
Se não me conheço por dentro,
Tão pouco por detrás de mim mesmo?

Creio na minha existência
Pelo espaço que ocupo
E pela sombra em dias de sol,
Quando chove, não crio que exista,
Tão pouco quando de mim choram os olhos…

Às vezes encontro-me
Apenas por instantes
No reflexo do teu doce olhar
Tu que não sendo eu
Reflectes os meus gestos
E o que por ti em mim sinto,
Sim creio nisso, nisso e no amor
Creio piamente no amor que tenho
E no amor que dou…

Alberto Cuddel
26/05/2017

SOS

SOS

Em quantos dos teus irmãos viste,
Publicado um surdo grito de socorro?
E continuas a assobiar para o lado?
Quantos do teus amigos te enviam sinais,
Pedidos de socorro desesperados,
E tu segues inalterado o rumo traçado!
E tu? Quando pedires, quando gritares,
Quando estenderes a mão em sofrimento?
Que esperas encontrar?

Alberto Cuddel
06/03/2015

A um Deus que procuro

A um Deus que procuro

Onde te encontro? No trigo que amadurece ao sol?
Nas águas turvas e apressadas dum ribeiro,
Na mão estendida de um mendigo
Na mão que vasculha a algibeira à procura de um não sei que dê?
Onde está esse Deus que procuro em mim?
Longe? Perto? No princípio ou fim?
Onde reside este Deus ausente, que tanto sofrimento consente?
Tanta guerra e miséria, tanta morte nestes mares, tanta doença
E mesmo assim, não me esmorece a crença, que que me concedeu um dom
O dom da escolha, não esse Deus que condiciona, mas que julga,
Que ajuda a quem a ele recorre, a esse Deus que procuro,
Encontro-o vivo, sem nome, mas presente, na alma que habita em mim!

Alberto Cuddel
28/05/2017
22:58

Não sei o teu nome, tampouco se existes

Não sei o teu nome, tão pouco se existes

Nas pedras em que te nego
Procuro-me na vã ciência metafísica
Crença de que me faço, no que escuto
Vento que me acoita as duvidas
Folhas que mortas se depositam
Chão dos dias que pisas, – preces
De mãos estendidas ao horizonte
Em mim, lágrimas caem defronte
Vã consciência moral, humanidade tolhida
Egoísmo prematuro, felicidade corporal
Prazer etéreo, finda, desgasta-se
Encontro-me inscrito em pedras
Lapides, papéis avulsos
Memória colectiva, estantes empoeiradas
Compêndios livreiros, inscritos, inspiração divina
Alá, Jeová, Deus, Buda?

Mera consciência colectiva unida
Num espírito invisível de um outra filosofia
Não sei o teu nome, tampouco se existes
Apenas sei, que não morrerei…

Alberto Cuddel
02/06/2017
11:18

Ao teu serviço

Ao teu serviço

Prostro-me por terra, não como escravo
Mas como disponibilidade, ao teu serviço
O maior entre nós, não é o que é servido
Mas o que se dá pelos outros, chamam-lhe amor…

Neste quarenta dias caminhamos contigo,
Hoje caio por terra quando te ajoelhas sozinho,
Bem antes da instituição da refeição sagrada,
Deste-nos uma grande lição,
Não devemos contigo comungar,
Com a alma vazia de nada…

O pó que de meus pés retiras,
É o pó da longa e dura estrada,
Lavando o pecado que conhecias,
Com essa água abençoada!

Ao inverter os papeis Cristo
Coloca-se ao serviço dos homens
E nós? Nossas mãos? Que doação?
Sofre na carne a dolorosa paixão,
Para nos dar um exemplo…
“Eu vos dei o exemplo,
para que façais o que eu fiz’”

“Se não te lavar,
não terás parte comigo”.
Não poderás comungar,
Nem ascenderás ao paraíso!

Prostro-me diante de vós
Com pequeno que sou
Também eu sou servo
Também eu sou mãos
Também eu sou instrumento
Também eu sou pecador!

Alberto Cuddel
16-06/2017

Pela porta estreita, rumo ao paraíso…

Pela porta estreita, rumo ao paraíso…

A noite aproxima-se do seu términos,
Depois da profunda escuridão de pensamento,
Surge a luz, e com clareza se revela…
No deserto de atitudes,
Na aridez dos actos, das ideias,
Surge uma porta estreita para o paraíso,
Com direcção ao perfeito jardim eterno…
Penosa é a travessia no deserto,
Carregando a cruz de nossas vidas,
De nossos actos,
Em que o nosso caminho nos transporta…
Em sua direcção,
Pela porta estreita,
Rumo ao Paraíso….

Alberto Cuddel
26/09/2013

Dúvidas

Dúvidas

Se duvido, volta a confirma-me
Se te peço, com amor acredito…
Se te agradeço, foi-me concedido…
Se falo contigo, me ouves, te oiço…
Se me prostro, te venero…
Se me isolo, não me deixas só…
Se estou em silêncio, minha alma grita…
Fala com Ele,
Ouve a voz d’Ele…
Acredita…

Alberto Cuddel
07/10/2013

Solta-se a Palavra….

Solta-se a Palavra….

Nua e solitária,
Sofrível e solidaria,

Solta-se a palavra,
Perdida e encontrada,
Arável e cultivada,

Solta-se a palavra,
O desejo de ser possuída,
O desejo de ser vivida,

Solta-se a palavra,
Nos sonhos nos transporta,
Sem que nos fechem a porta,

Mas tu o solta palavra,
Que de ti seria sem que o “Verbo”
Te desse significado,
Te desse entendimento,
Ele que te ilumina e te dá a conhecer,
Aos homens com vontade de crescer,
De sob tua palavra viver.

Solta-se a palavra,
Para ti mulher,
Para ti jovem,
Para ti homem,
Para quem a entender souber!

Solta-se a palavra,
Que juntas formam frases,
Que perdidas mostram fases,
Pensamentos,
Sofrimentos,
Desejos,
Leis e mandamentos…
Livros e testamentos,
Poemas, romances,
Dramas e nuances,

Solta-se a palavra,
E por ela,
O “Verbo” se fez sofrer,
Para que na palavra,
Pudéssemos crer,
Acreditar sem ver,
E por ela na Fé nascer,
Solta-se a palavra…

Alberto Cuddel
24/09/2013

Esperança?

Esperança?

Perde-se em mim a esperança vã,
Que o amor tudo suporta,
Tudo supera, tudo perdoa,

A mágoa enegrece e arrefece,
Sentimentos tidos, em sonhos perdidos…

Apenas se vive, na esperança futura,
Que no seio da amargura,
Se ensaie e se construa,
Uma mudança forte e pura,
Que não te deixe consumir,
Pela falta do sentir…

Alberto Cuddel
19/09/2013

Tomada de consciência.

Tomada de consciência.

Voltas a olhar o infinito,
Distante e comprometido,
Condicionado e decidido,
A mudar,
A alterar,
A diferente fazer,
A diferente viver,
Ideias ressoam como trovões,
Palavras fortes,
Directrizes,
Consciente do que diferente pode ser,
De que em seu universo pode fazer,
Para que possa mudar!

Alberto Cuddel
24/08/2013

Poema do dia 08/08/2018

Poema do dia 08/08/2018

Não me queiras ver, em virtudes mentidas
Em passos desenfreados em direcção ao monte
Quer-me assim tão diferente, tão igual a ontem!

Gostava de poder ver o mundo, para lá das pedras
Para lá dos santos e igrejas, gostava de ver e crer.
E nesses caminho polidos por pés descalços
Encontrar os sonhos nascidos nas árvores
Como algodão doce gerado nas nuvens rosa do teu céu!

Não me queiras ver, vagueando na noite
Procurando o que nunca encontrei
E tudo aquilo que nunca soube que ainda procurava!

Gostava de me sentar num muro, olhar as estrelas
Viajar pelo luar da tua alma, gostava de acreditar.
E nessa certeza fazer meu mundo, meu sonho, meu mar,
Encontrar-me na virtude de me dar, por amor entregar
Como se dá a vida a um filho, sem ressalvas…

Não me queiras ver, poeta
Apenas sonhos poemas impossíveis de escrever…

Alberto Cuddel
08/08/2018
15:56

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