Último tributo a ti
“Nas rosas negras que me repousam na alma
Descobri o amor, o meu, por mim mesmo
Nas lâminas que se escondem no leito
Decidi retalhar o passado, recortar cada dia”
Sírio de Andrade
Retalham-te o corpo na banalidade dessa carência de afecto que te atormentam as noites, um abraço que nunca foi sentido, uma abstinência de beijos, palavras, meras palavras, entre um trago e um bafo, entre um cigarro e uma lágrima, entre um tecto baixo aninhado no negro cadeirão…
Nesse falso amor a ti que proclamavas, nunca o sentiste, retalhavas o corpo vagueando pelo pensamento, nesse abandono supremo do esqueleto, coleccionavas pedaços de nada e esperança, sentias, mas nada mais que isso, sentir, apenas um gargalo bafiento por companhia e um cinzeiro cheio…
Nunca as conversas dos homens banais te entusiasmaram, nunca as palavras de circunstância das mulheres te fizeram vibrar, um inadaptado social, alguém longe do tempo e do mundo…
Percorrias ruas e vielas olhando os beirais, as estrelas, clamando silenciosamente o seu nome, e ela, ela escutava-te, mas nunca deixou a vida dela, pela tua vida simples, sem nada, sem pretensões, sem ambições, apenas sentir, apenas desejo, apenas viver… e viveste a ilusão de uma vida, durante a vida toda…
Alberto Cuddel
20/06/2020
16:06
In: Nova poesia de um poeta velho
(tributo póstumo à vida e obra de Sírio de Andrade)
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