No princípio era o beijo


Almas que se despem, que se veste e revestem de luxuria, corpos que se misturam, mãos que nos predem e envolvem, que nos procuram, que nos contornam, mapeando os corpos nas almas unidas, que bailem os sabores no palato, que nos inebrie o olfacto, sejamos pressa, vontade e consciência, sejamos a saudade morta na fúria da distância, aí onde entre nós não reside espaço nem tempo, apenas um sentir que nos funde em libidinosos movimentos, dispamo-nos de tudo, dos pudores e consciências, sejamos…

No princípio era o beijo, um toque suave de seda, palavras encantadas, almas que se despem, o rubor da romã, ansiedade da cereja… No princípio era o beijo, um estremecer do corpo, um fechar de olhos, um toque de mãos, lábios que se entreabrem, línguas que se procuram, almas que se encontram… No princípio era o beijo, depois mais um, e outro, mãos inquietas, impacientes…

O beijo, ai esse beijo que incita a insanidade e me despe do mundo pelos lábios suculentos dos teus sabores, o desejo que nos sobe às nuvens pelo algodão doce das línguas insaciáveis da saudade, os corpos que dançam sensuais e nos molhavam o desejo, o encontro no toque das almas que se encaixam como se nunca tivessem sido senão o mesmo tom, esse nosso beijo tem magia, rasgos de aroma de canela, afrodisíaco do vício irracional, do início fizemos constância, as mãos já não sabem senão procurar o teu corpo no meu, preciso de estremecer, solta em ti, fechar-te os olhos e sermos…

António Alberto Teixeira de Sousa

Ontem a véspera de hoje…

Ontem a véspera de hoje…

Não esperei o amanhã, nem tão pouco a saudade dos beijos que se perderam na vontade sem nuca terem sido saboreados pelos meus lábios, não, não esperei, sentei-me e parti dali sem rumo certo. Olhei-te ainda como numa despedida acenando lenços brancos enquanto o barco zarpava rumo a um planeta distante… tudo era tão certo e tão real, a vida era essa certeza inquieta de ser uma existência virtual da perseguição da vontade…


Olhei inquieto o espaço vazio entre mim e o querer sair dali as paredes de um âmbar fosco aprisionavam-me os sonhos, mas eu voava entre as ervas daninhas e o pouco milho que imaginava, não havia água, mas chovia no meu olhar… entre os girassóis atordoados por uma luminescência plena, sem vontade própria de seguir um rumo inexistente, apenas as caturras quebravam o silencio dos campos, não havia corujas, nem ratos, nem noite… tudo era cientificamente aborrecido…


Tive ideias de levantar-me e partir, mas o destino era em mim incógnita… para onde se nem na morte a certeza existe… saia dali, e ia… sem destino, sem rumo, sem futuro, sem metas ou objectivos, tudo estava ali pronto, bastava um pensamento, comia, na ilusão de ficar saciado, bebia… dormia, beijava-te até… nem tinha a possibilidade de sentir saudade, tudo era tecnologicamente satisfeito, todas as vontades, todos os desejos… como sentia falta de ontem, desse tempo em que corria atras de tudo, que tinha sonhos reais, desses que nunca são realizados…


E ontem era tão somente a véspera de hoje, de um tempo sem futuro e sem desejo… resta-me um, morrer… e o hoje que nos proporciona a vida não permite…


António Alberto Teixeira Sousa
In: Sonho perigoso de um futuro que pode acabar…

Uma prosa poética…

Há tantos segredos de mim e dos meus eus que gostaria de escrever, tantas verdades e sonhos de outras realidades, tantas brisas sentidas no rosto fechado entre quatro paredes, tantas viagens feitas sentado à secretaria… Tanto a dizer das vitórias sentidas na alma mas sem palavras ou festejos, tantas derrotas festejadas, tantos primeiros prémios como se fossem apenas mais um… Tantos passeios de mão dada em praias desertas, e pendiam-me os braços na solidão da serra… Tantos homicídios já desejados e tantos suicídios já ensaiados…

Quantas vezes já chorei a chegada tardia de um marido? Ou a amante que nunca me apareceu no encontro? Quantas vezes vi os meus filhos estendidos no chão ensanguentados, ou a mão bramando estridente a queda de um cinto nos costados… Quantas vezes perdi a minha mãe?

Quantas vezes perdi o chão e o céu desabou sob os meus cabelos brancos? E os dejectos dos canídeos que ninguém recolheu presos nos sapatos? Ou os sapadores desesperados abatendo a floresta, ou um rio que deixou de correr para o mar? Quantas fodas sonhadas repletas de orgasmos ficaram por dar? Quanto amor se perdeu no ar?

Tenho tantos segredos, sonhos, mentiras e sentimentos, e sintomas também… Quantas horas, semanas minutos ficaram por viver?

Tudo foi, tudo é…

Olho o mundo, com os mesmos olhos que sentem, com as mesmas mãos que erguem, com os mesmos pés que me levam, com os mesmos ouvidos que escutam… Olho o mundo e não o conheço, o mundo vive depressa de mais, com distâncias a mais, com coisas a mais, com guerras a mais, com sacrifícios a mais, com derrotas a mais, e tanto amor de menos…
Queremos sempre o que não temos, ir onde não chegamos, provar o que nunca bebemos, ganhar o que nunca ganhámos, trabalhamos duro para ter, e nada do que temos nos serve, e somos o quê nesta liberdade? Chamam-lhe liberdade a esta escrevatura do desejo, um labirinto ingreme de paredes altas cheias de regras e armadilhas…

Trepo o muro, e olho esse mundo disforme de formigas obreiras, seguindo carreiros, percursos, sacrificando-se pela a sua “rainha”, essa ideia de posse, de desejo, de regras que foi implantada no cérebro minúsculo…

Eu na inverdade dos meus eus, sou livre, dono e senhor da minha realidade, esperei, claro que sim, por quem eu mesmo atrasei, matei? Verdade, quem eu mesmo criei. Porque em mim? Em mim ninguém manda… E eu isolo-me desta realidade pequena, criando universos, onde sou tudo, sem que contudo deixe de ser este nada de matéria que ainda assim me prende…

Vivamos com menos, sejamos mais… Mais tempo, mais vontade, mais certeiros, mais calor, mais paixão, mais amor, entendamos a mão, não pela retribuição, mas porque apenas podemos…

António Alberto Teixeira de Sousa
26/07/2022

Corpo-Abrigo

Corpo-Abrigo

Há nesse Corpo-abrigo uma esperança de vida, uma sorte, um desejo-amor, uma fórmula mágica que nos recolha do mar, que nos faça acordar do desespero da solidão. Há nesse corpo-abrigo uma calma que me espanta, um querer que me arrebata, uma força que me chama, e nele quero existir, nele faço-me, a ele me entrego na plenitude humana de ser tudo, e completo.

Depois desabrigo-me neste calor que se avizinha, nesta fúria do caminho em corrida, em que a noite minga, e o tempo faz-se luz e cansaço, e depois, depois aninhamo-nos no espaço curto de um abraço enquanto esperamos pela frescura ampla da madrugada, e amamo-nos quando todos estão calados…

E antes que a vida nos separe, juramos sentires eternos, ali diante dos céus, das estrelas e do paraíso, porque de inferno literal estão os dias cheios e fartos de uma separação rasgada imposta por uma sociedade corrupta inimiga da felicidade humana…

E no teu-nosso corpo-abrigo existimos plenamente além da realidade física, somos alma ungida e abençoada pelos espíritos livres que nos vagueiam pela mente…

Somos a perfeição do que de nós fizemos, mesmo antes da vida ser vida estávamos destinados a existir… ser eternamente confiança, corpo-abrigo meu…

200 – palavras

Alberto Cuddel
30/03/2021 09:20
In: Entre o escárnio e o bem dizer,
Venha deus e escolha L

Imagem de João Gomez photography

Do alto da ignorância de todos os sonhos…

Do alto da ignorância de todos os sonhos…

… rasgam os jornais que lhe cobriam os pés, desse conhecimento abandonado pelos mortos na estante empoeirada da biblioteca, há em mim um contraste que me esmaga e uma sede insaciável de palavra, esta fome de saber o que não sei, liberta-me a ironia de deixar voar a bandeira, e essa herança de sangue pelos egrégios avós derramado. Desse pedestal erguido pelo minúsculo ser, somos um, e muitos que um somos, neste atropelo à individualidade prometida. Há uma majestosa sensibilidade que me espanta, é essa de ver o conhecimento na boca das ruas, todos sabem tudo e todos opinam, e não pinam nada… meu quarto sou menos reles, e sozinho empino a vulgaridade de me abstrair do conhecimento simpático dos que não sabem, sabendo tudo, e opinam até da atitude deles próprios, eu reles empregado anónimo dos que tem de trabalhar, escrevo palavras como a salvação da alma e douro-me do poente impossível de sois altos, vastos e longínquos, ocultos por detrás de monte de nuvens que teimosamente estacionaram sob a minha janela virada ao poente.
Do alto da ignorância de todos os sonhos hoje nasce a Primavera, e se ela não nascesse talvez chegasse depois, talvez se atrasasse, mas chegaria, por ser a que vem depois, dos tempos de invernia…

Alberto Cuddel
21/03/2020
03:41
In: Nova poesia de um poeta velho

Diário branco

Diário branco

Definem-me pelo tudo que tenho, sendo o eu o nada que possuo
Nem os meus pensamentos gritados ao vento são posse minha,
Perdem-se na chuva de gritos perdidos nos ouvidos do mundo,
Espero apenas que a lua se deite, para que amanheça em mim,
E por fim, descanso, do cansaço que o pensamento me causa,
Noite branca, dormente na inquietude pensante total e vazia,
Fustigam-me ideias suicidas de novos versos e reversos poéticos,
Poema inacabado, borboletas que esvoaçam perdidas no mar,
Doce imagem do teu corpo nu, vestido com a alma apavorada
Triste solidão que te conforta, no vazio silêncio que a noite dita!
– ai de ti poeta das rimas feitas e fazes vazias,
Onde te deitas? Tábuas negras e frias!

Tenho mais certezas que duvidas, pois duvido de todas a certezas,
As dúvidas que me assaltam, espreme-me, esvaziam-me
Deixam-me nu, nunca me acostumo a despir-me das palavras,
Nem à ideia de que as gaivotas fogem do mar,
Ou que sejam as andorinhas a comandar a Primavera,
A casa essa está fechada, nada aberto, nem porta nem janela,
-mesmo assim duvido, que mesmo fechada vivas nela.

Nunca esperei um fim, um principio,
Tudo segue um rumo, um destino,
Um sussurro, um abafado grito,
Desdigo-me, minto, finjo
Nem de ti, nem de mim, nada dela,
Que me contas, do tempo do nada?
Porque te finges ser um tudo,
Se no tudo que do alfabeto se pensa,
És meramente actor, um mero poeta!

Alberto Cuddel
30/05/2017

E o precipício ali, tão perto à distância de um passo…

E o precipício ali, tão perto à distância de um passo…

Quantas vezes Sírio me chamas, e o precipício ali, tão perto à distância de um passo… e as palavras calam-se, não há amor que nos salve, chove, apenas chove, deixamos de ouvir as vozes do mundo, as vozes que choram, que nos esperam, e caímos no comodismo mundano do dia a dia, desistido de lutar, deixando cair esta armadura pesada que vestimos todas as madrugadas, as palavras escorem rio a baixo, manchadas de sangue da batalha… e o precipício ali, tão perto à distância de um passo…
Não há dias nem noites, palavras amigas, os beijos esquecidos, a paixão que se esvai, o medo que nos abraça, o perigo que nos trespassa, não há versos contidos, apelos, chamamentos, não há poeta, não há marioneta, apenas o corpo inerte de um homem ferido, um escritor mal parido, imaginário e sombrio…
Ali parado diante do passo que tudo silencia… o choro, a dor, a comida no prato, o desespero da palavra não proferida, e o abraço que tudo liberta, tão longe… amor adormecido, salvífico beijo… espera-me, espero-te…
E o sol nasce, a esperança toca-lhe o rosto, a mão estendida, o segredo gravado… esse amor que ninguém entende, trazido do passado… espera-me, espero-te…

Coleccionado o tempo que não têm, longe lado a lado…

E o poeta? Esse que não escreve, esse que não vive, esse que não é, que nunca foi e nunca será, esse que morreu sem ter nascido, esse que do ventre nunca foi parido, esse que nunca lutou, nunca perdeu e nunca ganhou, o poeta, que nunca amou, que nunca se deitou ou levantou… o poeta que foi sonho e nunca sonhou… olhou de frente, despiu o aço luzente, largou a espada, a lança, o lenço, o papiro e a pena, despiu-se do homem, deu um passo e caiu…

Na solidão do orgulho leia-se:
Aqui jaz o sonho de quem nunca foi… mesmo antes de ter sido…

Alberto Cuddel
19/01/2020
05:45
In: Nova poesia de um poeta velho

Às vezes…

Às vezes…

Às vezes sem que o espere, mesmo que deva esperá-lo, o ar enrola-se na garanta na esperança do beijo, ainda que ele se demore na abstinência do tempo que separa o querer da vontade, em distâncias cabais. Às vezes toma-me esta dor física que me dói sem ti, come-me o corpo em tragos longos a falta que sinto da tua alma, desse calor que me abraça em lábios finos.

Às vezes, diante da banalidade de outras coisas tão necessárias e tão supérfluas, abandono-te, absorvido pelos problemas do dia-a-dia, e deixo-te à espera, como se esperasses a eternidade da chegada, mesmo que nesse espaço eu não cruze a porta da felicidade. E eu, militante do teu ser, perco-me em mim e nos problemas do mundo, quase esquecendo quem sou, homem, eterna criança que deambula em busca da solução de problemas imaginários, e tão reais a vida corrente.

Às vezes caio em mim, na minha condição de homem incapaz de resolver o mundo, incapaz de te resolver, de te ser e de te estar, e depois, sem que o espere, beijo-te, e o mundo acaba ali, diante de nós, como se tudo morresse nesse encontro ao dobrar a esquina do quarto, esse com vista para o céu, onde as estrelas forram a nossa vontade de viver, sempre, sem tempo ou futuro, apenas agora, e agora é todo o nosso sempre.

Às vezes adormeço na falta de descanso, e sonho-nos, antes de acordar, outras acordo bem antes de nos sonhar, e sei-te aqui, deitada ao meu lado…

Alberto Cuddel
22/11/2018
Marvila, Portugal

Nestas horas que nascem,

Nestas horas que nascem,

Rodam rodas na estrada apressadas e sem destino, com pressa de chegar lá longe onde nos mora a felicidade, e passam os que vem e os que vão, e os outros que se perderam nos atalhos do conformismo da vida.

E sopram e bebem licores
Andam dias acima em pés de lã
Amam como loucos os dias
Noites de solidão onde se desejam
E os monótonos tempos comigo mesmo
Olhando a gente que passa e que está
(estou só entre tanta gente)
Procuro parado no tempo que espero!
Desenhando trajectos do amanhã
Entre sonhos e certezas!

Olho esse vazio que se me apresenta pela frente, que esse passado cheio não me chega, procuro o que já encontrei, na certeza certa de saber onde pertenço, e sei onde devo estar, não atrás, à frente, por baixo ou por cima, mas ao lado de mão dada, se temos pena? Nenhuma…

Conduzo sonhos, sem carro, apenas pela vontade de os tornar possíveis, realizáveis, beijáveis, nesses caminhos que abrimos sem licença, onde se movem fantasmas de amigos imaginários, tão palpáveis, tão reais… somos, a saudade das horas, pelos beijos que ficam por dar… mesmo que espere olhando a porta, tudo vale a pena, quando amamos, tudo vale a pena… e amamo-nos de novo, as vezes apenas no olhar preso num abraço e num beijo roubado na sombra, à vista de todos!…

Alberto Cuddel
15/11/2018

Escolhi Amar-te LIV

Escolhi Amar-te LIV

Escolhi dar tempo, do teu, do meu tempo, tempo tão escasso e tão curto, do tempo que levo, que na memória retenho, o tempo que perdi no teu olhar, o tempo que ganhei no teu abraço, o tempo que gastei em ti e o tempo que me deste a mim.
Lembras-te? Do tempo que roubávamos a nós mesmos para dar aos outros, ficando tantas vezes sem qualquer tempo para nós? Lembras-te? De quantas vezes pedíamos tempo emprestado ao dia seguinte e que nunca chagava a ser pago?
Nunca perdi tempo nas escolhas que fiz, nunca perdi tempo contigo, todo o tempo contigo nunca foi ou será uma perda, o tempo que uso em ti é tempo ganho em nós.
Hoje decidi e escolhi poupar tempo, para o investir em uma conta-poupança, irei poupar todo o meu tempo para o depositar em nós, para que possa restaurar o tempo que perdi fora de ti. Aproveitar as condições financeiras do tempo, e dai tirarmos os dividendos que tanto procuramos, felicidade, cumplicidade, comunhão, prazer, paixão, Amor!
Escolho Amar-te investindo em ti e em nós parte do tempo que tinha, parte do tempo que tenho, para que tenhamos tempo para nós!

Alberto Cuddel

Escolhi Amar-te LII

Escolhi Amar-te LII

Pedro Chagas Freitas disse: “Acabo de perceber que estou a escrever mais uma obra lamechas, vivo na Lamechalândia desde que te conheço”.

Mas existirá outra forma de falar do amor sem que seja lamechas? Bem existir até existe mas prefiro falar-te disso na intimidade do nosso leito, deixaria de ser lamechas, mas roçaria levemente a pornografia.
Já não fazemos amor desde a última vez – lembras-te? E mesmo assim as horas do meu relógio já não chegam para contar o tempo que se passou, apenas o tempo que falta para te abraçar de novo, se é que se pode chamar de abraço aos movimentos que pretendo preconizar em ti. Quero definitivamente envolver-te em mim, sentir toda a saudade do teu ser, todas as formas do teu corpo em mim.
Sejamos lamechas, não sou perfeito, não és perfeita, talvez por isso nos amamos tanto, chego a pensar que amamos apenas os nossos defeitos um no outro, para que juntos os anulemos, para que juntos nos completemos na complementaridade que o sexo também nos dá. (e ele a dar-lhe). – vês o que me faz a tua ausência em mim?
Ainda assim serei lamechas, amar-te é em mim a necessidade de afirmar minha própria existência no amor, amor não é algo que se sinta, que se veja, amor faz-se acontecer em cada gesto, em cada acção, em cada palavra.

Alberto Cuddel

Escolhi Amar-te XLVI

Escolhi Amar-te XLVI

Do tudo que esperas de mim, o nada que te posso oferecer… apenas eu completamente imperfeito, nos defeitos com que me aceitas…
Encontro na solidão gélida do nosso leito, o tempo para a reflexão necessária à saudade que sinto. Não, não sou um marido perfeito, nunca te prometi sê-lo, o tempo encarrega-se de me mostrar todos os defeitos que encontro em mim ao pensar-te, já mais serei perfeito, recuso-me a ser perfeito. É na verdadeira imperfeição que nos encontramos e nos completamos, para sermos melhores, para nos amarmos mais a cada dia, no faustoso encontro em que nos regemos sem tempo, o tempo que nos resta para nos encontrarmos.
Este tempo maldito, em que os minutos parecem horas, no afastamento imposto, tempo solitário que é em nós gloriosa chave de meditação sobre o “nós”. Solidão imposta pela tua ausência, encontro em mim, a necessidade absoluta de ti, em ti sou melhor, sou eu.
Sinto a tua falta, nunca nos devíamos afastar por uma imposição de escolhas laborais que nos impuseram. Não, não por um incontrolado e impensado lapso temporal, que nos fazem viver como conto de fadas, um no dia com o sol, o outro na noite com a lua… porra onde para o Eclipse?
Sim tenho defeitos, mas que importam, se não estás aqui para me corrigir? Sinto a tua falta, do teu beijo, do teu abraço, do calor do teu corpo, do sexo, do dormir de conchinha… sinto a tua falta!
Do tudo que esperas de mim, o nada que te posso oferecer… apenas eu completamente imperfeito, nos defeitos com que me aceitas, e mesmo assim distante temporalmente, escolho amar-te todos os dias e moldar-me a mim em ti, como te moldas a mim nas minhas imperfeições…

Alberto Cuddel

Poema do dia 18/10/2017

Poema do dia 18/10/2017

Uma pedra pequenina,
Uma mera pequena pedra,
Rolava, rolava, rolava…

Rola e rebola no caminho
Caindo no ribeiro baixinho
Não há pedra que lhe bata
Nem a água já a pára…
Rebola redonda a pedra…

Já no meu coração amola
O sentir que muito esfola
E o corpo? Rebola, rebola…

Força que força e esforça
Persegue, perseguindo
Ora depressa, devagarinho
Seja quente e com carinho…

Uma pedra pequenina
Não cresce, apenas se aninha
No canto do coração…

Alberto Cuddel
18/10/2017
17:00
#Poemasdodia

 

Escolhi Amar-te XLV

Escolhi Amar-te XLV

Ao segundo olhar, nossos corpos estremeceram no louco desejo erótico de nos unirmos, no mais animalesco acto de fidelidade sincronizada, dando forma, eliminando as barreiras da linguagem, falando no silêncio dos gemidos do amor. Não somos maníacos, mas a verdade exposta do nosso sentir é que nos desejávamos amar um no outro antes mesmo de nos conhecermos.
O desejo envergonhado desenhado no rubor nos nossos rostos adolescentes, as mãos húmidas do nervosismo, um primeiro beijo em ti, senti, não vi, não viste, apenas o sentimos, na alma, no estremecer dos nossos inocentes corpos…
Encontramo-nos todos os dias no movimento ardente da palavra escrita, no desejo consumado na ponta da caneta em brasa que se arrastava no papel, depósito de sonhos, devaneios eróticos do nosso amor sonhado e confirmado a dois, nas respostas e contra-respostas, da sedução do perfume do papel…
Para finalmente nos encontrarmos, frente a frente, despidos de tudo, despidos do mundo, vazios, apenas confirmados perante a testemunha divina que testemunhou e confirmou o desejo de nos pertencermos. Encontramo-nos na noite onde nascem todas as Primaveras, onde todos pássaros cantam em coro a alvorada, como trompetas anunciando a confirmação, a consumação de unir o desejo de nossas almas também no corpo, revelando o mistério divino, confirmado na profecia bíblica e os dois formarão uma só carne, um só espírito.
Em nós que nos escolhemos amar, pelo menos até amanhã, confirmemos hoje, que ainda hoje nos desejamos fazer uno o querer, no silêncio gemido que ecoa nas nossas almas desde o dia em que nossos olhos pela segunda vez se beijaram.

Alberto Cuddel

Escolhi Amar-te XLIV

Escolhi Amar-te XLIV

Procurava-te para que me completasses… muitos discordam, muitos concordam, para muitos é indiferente, mas para mim, para ti, para nós não. Escolhi amar-te não porque me bastava, não porque estava cheio, não porque tinha amor para dar, mas porque me encontrava apenas a meio, com espaço para te receber, para me poder moldar em ti.
Mesmo na constante dormência do sono, inquieto-me na busca de ti, como se te pudesses ausentar de mim, queria dormir em ti, viver apenas na dádiva de amor coberto pelos lençóis. Acordo constantemente em mim, como um agarrado a um vício, na fome de te escrever, de te inscrever em mim, de deixar escrito e gravado, a louca forma de te amar.
Procurava-te para que me completasses… mas acordei, contigo entrelaçada em mim, como se me prendesse, para que não me afastasse, para que nem um pedacinho de amor pudesse cair fora de nós, queria adormecer em ti, neste leito onde cabe o nosso mundo, não quero acordar sem que te tenha, sem que estejas ao meu lado, sem que dês e me recebas!
Procuro-te nos sonhos, naqueles em que teimosamente acordas, foges de mim, simplesmente para estender um varal de roupa, para que as nossas vestes, lado a lado possam apreciar o nascer dos primeiros raios de sol, enquanto nos entrelaçámos no amor que nos confirma, no mundo horizontal, cobertos por nuvens de algodão.
Ainda assim nosso amor não é perfeito, nunca poderá ser perfeito, pois somos humanamente imperfeitos, e tantas vezes discutimos, eu discuto, tu discutes, sobre nada, das insignificâncias da vida, quem sabe num divino propósito, de nos reconciliarmos mais fortes, mais capazes, mais vazios um do outro, para que nos possamos preencher no propósito da escolha de amar e ser amado…

Alberto Cuddel

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