Amor, é este o soneto…

Soneto de amor

Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma… Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas…
E que meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua…, – unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois… – abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus, não digas nada…
Deixa a vida exprimir-se sem disfarce!

José Régio

Amor, é este o soneto…

Não me queiras, apenas por palavras,
Expressões sem alma, recebe-me em teu seio
O olhar se feche, onde o sonho lavra
Recebe-me por inteiro e sem receio.

Nos teus lábios, meus, se encontrem
Línguas, que gladiam sabores frutados
Que teu corpo vibre enquanto estiverem
Nossos membros nos dois entrelaçados.

Duas bocas uma língua, -Gemido
Nos beijos, olhar comprometido
Sangue, suor, sabor, odor, unidos.

Depois, olhar que me penetra, amada!
Funde-os aos meus, apenas calada,
Deixa a vida, ser, um tudo, no nada!

Alberto Cuddel
Poema de tributo a José Régio
08/08/2015

Sob epígrafe – Tributo a Sebastião Alba

Sob epígrafe – Tributo a Sebastião Alba

Atropelos da Vida

há uma desilusão no ar
no asfalto negro espera-me a morte por atropelo
cruzei mares e oceanos, caminhos de terra
depressão humanitária da desilusão…

há sempre essa vida simples
de acordar com o sol
sonhar estrelas enquanto os homens roubam…

nesse lado oculto da poética
movo-me por entre as sombras das vielas
na procura do pão de cada dia
à noite está consumido,
e a alvorada seguinte
banha as suas escórias.

não tenho medo da morte
mas sim medo que a morte me esqueça…

Alberto Cuddel

Horas quentes

Horas Rubras

Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!

Florbela Espanca, in “Livro de Sóror Saudade”

Horas quentes

Momentos profundos das horas caladas,
Feitos de beijos ternos, doces, carentes
Das alvas manhas, desejos ardentes,
Onde há mulheres vendo agonizadas

Gritos ,balidos, do pastor gargalhadas…
Estrelas ofuscadas, por lábios luzentes,
Sol que se espraia pelos lábios dormentes
Memorias do nada, longas estradas…

Teus lábios, entrada, ao desejo contido
Teus braços aperto, teu peito sentido
Brotam palavras de ti as mais puras…

És querer no desejo mist’riosa…
E sou, fome em ti voluptuosa,
De mim Poeta, o beijo que procuras!

Alberto Cuddel
Tributo a Florbela Espanca

Tributos reescrevendo Ricardo Reis

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Ricardo Reis, in “Odes”
Heterónimo de Fernando Pessoa

Recorda comigo Irene, vê o rio passar!

Demos as mãos, realizemos, o fim a que nos levaram,
Os passos, decisões inalteráveis que um dia demos,
Seguem bem longe na foz, as palavras que buscas,
Confirmadas por Deus!

Seguimos como corrente descendente lado a lado,
Sem que cansados estejamos, nas correntes do prazer,
A vida segue, sedenta de cobranças, no nada,
Na vida que temos.

Seguimos, nos amores, confrontos, seduções,
Guerras, paz, longe, perto, juntos, afastados,
Mas seguimos sempre, na mesma corrente,
Rio que corre até à foz.

Olha a natureza, animais divertidos, astutos,
Nos longos rituais de escolha, sedução,
Onde nada importa, tudo se resume num ato,
Amemos com nossos corpos!

Se ao menos um dia me recordares, sem sombra,
Na imagem terna, inocência de uma criança,
Sorriso nos lábios, um brilho no olhar,
Calor das mãos enlaçadas!

E se antes de o barqueiro do rio me passar,
Eu de ti me recordar, nada sofrerei ao me lembrar,
De ti comigo sentada a ver o rio passar,
De mãos enlaçadas a olhar!

Alberto Cuddel

Poema de tributo a um dos heterónimos do autor que mais me impulsiona a escrever!
05 de Abril de 2016

Ricardo Reis é um dos heterônimos do excêntrico poeta Fernando Pessoa. Um dos maiores representantes da literatura portuguesa – e também da literatura em língua portuguesa –, Pessoa criou diversas personagens literárias por meio das quais pôde extravasar toda a sua genialidade. O poeta multifacetado foi capaz de imprimir estilo próprio a cada um de seus heterônimos, características reconhecíveis em virtude dos aspectos temáticos e formais bem definidos.

Essa capacidade de transitar por vários estilos fez de Fernando Pessoa um poeta único, misterioso e atemporal. Ricardo Reis é um de seus mais importantes heterônimos, ao lado do mestre Alberto Caeiro, do alter ego Álvaro de Campos e do semi-heterônimo Bernardo Soares. Foi imaginado pelo poeta no ano de 1913 para dar voz aos poemas de índole pagã e, conforme sua biografia inventada, nasceu no dia 19 de setembro de 1887, na cidade do Porto. Recebeu uma forte educação clássica em um colégio de jesuítas, tendo se tornado um latinista por educação e “um semi-helenista por educação própria”. Formou-se em medicina e, por ser grande defensor do regime monárquico, no ano de 1919, expatriou-se no Brasil para fugir do regime republicano recém-instalado em Portugal.

Suas primeiras obras foram publicadas no ano de 1924 na revista Athena, fundada por seu criador, Fernando Pessoa. Posteriormente, entre os anos de 1927 e 1930, oito odes de sua autoria foram publicadas na revista Presença. Seu espírito clássico greco-latino definiu o tom de sua obra, sendo nela predominantes temas como as boas formas de viver, o prazer, a serenidade e o equilíbrio. Influenciado pelo epicurismo, sistema filosófico definido pelo filósofo Epicuro que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, Ricardo Reisdefendia o preceito grego do “carpe diem” (viver o “aqui e agora”). Além do epicurismo, foi influenciado também pelo estoicismo, escola de filosofia helenística que rejeitava as emoções e os sentimentos exacerbados.

Sê Rei de Ti Próprio

Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.

(Ricardo Reis, in “Odes”)

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