Entre a noite e o passeio pela bruma marítima do olhar…

Entre a noite e o passeio pela bruma marítima do olhar…

“Sofri em mim, comigo, as aspirações de todas as eras, e comigo passearam, à beira ouvida do mar, os desassossegos de todos os tempos. O que os homens quiseram e não fizeram, o que mataram fazendo-o, o que as almas foram e ninguém disse — de tudo isto se formou a alma sensível com que passeei de noite à beira-mar.”

Bernardo Soares

sofri em mim, os males do mundo e os erros que cometi
rasguei-te o peito no sofrimento das palavras,
essas que se cravam na alma como punhais…

e as almas e foram, e a dor que ninguém disse
os pés no chão, o gelo das águas…
a brisa no rosto, areia molhada,
e esse querer… essa força que me chama…
mas a dor é para ser sentida, a culpa para ser carregada…

aqui, bem em baixo, afastando-me do alto onde estou
em desnivelamentos de sombra, dorme ao luar,
ao longe, dormes e contigo a cidade inteira.

há um desespero em mim, uma angústia de existir
dizes “culpado”, mas presa a mim carrego a culpa da dor
essa que extravasa de mim todo sem me exceder,
compondo-me o ser nessa vontade de morrer
em ternura, na pressa de te arrancar do peito a dor
e do olhar a minha imagem…
e eu caminho, sem pressa, já sem tempo, sem medo, dor ou desolação.

apenas caminho, sem pressa e sem destino…
na esperança vã de que me purifiquem as águas
a culpa que minha alma carrega…

Alberto Cuddel 
19/05/2021 
02:43
In: Entre o escárnio e o bem dizer, 
Venha deus e escolha LXIII

Noites irritantemente sombrias

Noites irritantemente sombrias

Sem sombra de dúvida
A noite morde a sombra imaginaria
Daquele que se deita ausente da vida…
O luar grita contra a parede branca
Folhas que se agitam vazias,
Limpem-me o olhar…

Alberto Cuddel
3.4.19
In: Dor da salinidade do olhar

Esquecimento

Esquecimento

A cada esquecimento
A lembrança de uma rosa que nunca floriu
Uma carta no fundo de uma gaveta empoeirada
Bâton no colarinho da camisa
Língua que se enrola nas inverdades
Omissões de uma memória tolhida
Ar que se estrangula na garganta
Corpo privado de si mesmo, da alma
Chamar um qualquer nome vezes sem conta
Sem voz, longínquo passado bem presente
Cidades esquecidas pelas ruas fora
Semanas que são meses, e um aniversario todos os dias
Convívio diário na loucura, de ser, de reconhecer
As caras, as faces, e o louco propósito de um garfo
Ou uma faca pousada num prato, sem saber se tenho fome
Se comi, se ainda vivo…
E porque vivo…

Alberto Cuddel
31/05/2017
11:44

Poema em homenagem aos cuidadores de doentes com Alzheimer

Poema do dia 16/08/2018

 

Poema do dia 16/08/2018

Há quem não compreenda a prisão dentro de nós mesmos!
 – A dor de estar sozinho no meio da multidão…

Dói-me a imensidão das coisas e o vazio de mim mesmo,
Esta fúria do cansaço, esta dor que é arrastar-me nos dias…
Quero gritar no silêncio, arrancar dentro de mim a cobardia…

Condeno-me à infelicidade das horas,
Querendo o que nunca terei, sonho
Resta-me aceitar a monotonia da vida
Arrastar-me até à morte, nesta ilusão,
Quadro perfeito desenhado a carvão…

Doí-me a saudade do que um dia imaginei…

Alberto Cuddel
16/08/2018

Poema do dia 13/08/2018

Poema do dia 13/08/2018

Por mil vezes tranquei a porta por dentro
E gritei à janela pela salvação desta prisão!

Passam os ponteiros do relógio por mim
Ontem como hoje iguais ao amanhã
Quero ser livre, preso nesta gaiola sem fim
Guerra inglória sem ordem ou campanha…

Tranquei-me no sacrifício masoquista de estar
Sofrimento infligido no ódio de ser, ficar…

Saía e viajava, (mentia)
Passeava pela mente
Sentado no sofá…
Sem o amor que mora ao lado
Sem sombra ou mácula de pecado
Gritava, preso, na liberdade que me davam as paredes…

Fechado em mim mesmo, longe do mundo
Imagino tentações, vivo de ilusões…
Paixões levadas nas asas de andorinhas
Pretas, brancas, sem o colorido do mar
Do mundo, da febre de amar…

Por mil vezes tranquei a porta por dentro
E gritei à janela pela salvação desta prisão!
E ela nunca chegou, nunca em mim nasceu…

Alberto Cuddel
13/08/2018
12:35

Poema do dia 19/04/2018

Poema do dia 19/04/2018

E calo gritando na oposição concreta de que não quero
E grito calando-me nas opiniões contrárias à guerra…

Um porque sim que não me basta
Um porque não que não me satisfaz

E continuam a nascer andorinhas
Em vasos de palha pendurados nos beirais
Mesmo ali onde não chove por cima dos malmequeres…

Lá longe, onde explodem bombas
Onde o gaz mata, onde a fome corrói,
Onde a vida apenas dói… lá longe…
Não há oposição falante, apoiantes calados…
Lá longe, morre-se gaseados…
Lá não nasce a Primavera…

Lá longe paira no ar
Apenas o peso da morte…

E calo gritando na oposição concreta de que não quero
E grito calando-me nas opiniões contrárias à guerra…

Alberto Cuddel
19/04/2018
13:00

Chamas negras

Chamas negras

Ardem os céus e o tecto
Deuses dormem na natividade
Germina vida do ventre
Pérfida crença no homem
Onde moram os pecados
Justiça saloia do povo
Vestes negras o abençoam
Punhais vocalizados o saúdam…
A morte chegou ao mundo
Pela voz doce dos poetas!

#poeticamortem

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