Eles vieram de longe e chamaram-me
eles vieram de longe e chamaram-me
eu, chamaram-me a mim?
que só agora havia chegado à meia-idade
um pouco antes do sol do meio-dia
podia ter sido tudo, mas chamaram-me
além dos desertos caminham árvores
marchando contra a humanidade que mata
carrego no peito uma pedra, açoitam-me
correm regados de dejectos na borda da estrada
e sigo em sentido contrário, busco a sua origem
defronte da igreja alguém pede esmola
ao pé da escola, apenas pedem palavras
e frases que nos levem ao saber do pensamento
cada um pede o que lhe faz falta
alimento, sempre alimento, ora corpo, ora alma
e sigo em direcção ao que me clamam
não tenho porquê ir, ou porque não ir
então vou, vou porque me chamam
dirão que perco tempo, os melhores dias
que estou resignado à sorte, minha sorte
mas dentro de mim há reservas colossais de tempo
de presente, de amanhã, de futuro e pós-futuro
de pretéritos perfeitos guardados do estômago
tenho ainda metade do tempo todo
eu que carrego a idade madura nos olhos
que rompi meias solas nos pés…
e sigo porque me chamaram
negociando baixinho com os conspiradores
a derradeira hora da chegada
podia ter sido tudo, um abraço
um beijo, um aconchego, companhia
mas fizeram-te acreditar que seria mentira
e sigo então sem esperança
apenas porque me chamaram
a rua atravessa o regato ali à frente
depois da curva à direita, um pouco antes do castelo
e todo pedem clemência, compaixão
vêm de todo lado, mascarados de quem não são
porque se o fossem não viriam e não pediriam
eu vim, sim vim, mas porque me chamaram…
aqui estou…. cheguei…
somente eu, já sem palavras…
Alberto Cuddel
22/04/2021
16:30
In: Entre o escárnio e o bem dizer,
Venha deus e escolha LVI
impactada !
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Muito obrigado amiga Francielle por me ler e comentar.
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